Observatório da Qualidade no Audiovisual

Os Trapalhões

Os Trapalhões foi um programa exibido inicialmente pela extinta TV Tupi, passando pela Rede Record e sendo comprado pela Rede Globo, em março de 1977, onde foi exibido continuamente, aos domingos, antes do Fantástico, até agosto de 1995.

O programa apresentava vários esquetes alternados com números e paródias musicais, estrelados pelos personagens Didi Mocó, Dedé, Mussum e Zacarias, grupo que se consolidaria como referência no riso da televisão brasileira.

No plano da expressão, o programa sofreu muitas mudanças ao longo dos 18 anos em que esteve no ar e muitas características marcaram a sua originalidade, eternizando-o na televisão brasileira, como o formato apresentado, as vinhetas e os bordões dos personagens.

A primeira vinheta que Os Trapalhões teve era um desenho animado que mostrava os quatro protagonistas em uma sequência de situações absurdas: entre outras peripécias, eles escapavam de serem atropelados por um trem, fugiam da perseguição de um tubarão, espiavam por um buraco na porta uma mulher dançando, e que, na verdade, era a cara de uma vaca. Em 1984, os personagens, antes animações, passam a ser os próprios atores, o que tornavam ainda mais improváveis os acontecimentos. Somente em 1990, após a morte de Zacarias, a vinheta sofreu a primeira mudança radical, na qual os personagens deixavam de aparecer, dando lugar às letras de “Os Trapalhões”, em uma animação na qual dançavam e trombavam entre si até se organizarem no logotipo do programa, tudo isso ao som de uma mesma música instrumental que marcou o programa do início ao fim (e também, posteriormente, o programa A Turma do Didi).

Os personagens também foram marcantes: Didi Mocó, um cearense malandro, excêntrico e desastrado, quase uma mistura de Chaplin e Oscarito, criava bordões que caíram no gosto do público e que, provavelmente, ainda são reconhecidos e usados, como “é fria!”, quando se encontrava em uma encrenca, “bufunfa” (dinheiro), “poupança” (traseiro), além de frases como “esse aí camufla!” e “a santa tá nervosa”. Dedé personificava o amigo boa-pinta e autoconfiante, que se achava mais bonito e inteligente do que realmente era. Já Mussum era o malandro carioca, orgulhoso de sua raça e doido por cachaça, que chamava de “mé” (mel); também eternizou bordões, como “forévis”, que designava várias coisas, em especial traseiro; “cacildis!”, usada sempre que alguma coisa dava errado, e “eu quero morrer pretis!”, seu juramento. Zacarias era um personagem meigo, inocente, com uma voz infantilizada, risada estranha e engraçada, que quase sempre caía nas armadilhas feitas por Didi.

Os cenários do programa mudaram muito, passando de muito elaborados, como eram as novelas da emissora, a simples espaços brancos com poucos elementos; dos efeitos especiais no fundo infinito ao cenário de teatro. O programa também evoluiu da trilha de risadas para a participação de uma plateia real, além de sair dos estúdios Globo para a gravação de externas em vários locais do Rio de Janeiro.

Outro diferencial do quarteto de atores, principalmente quando o programa passou a ser gravado no teatro com uma plateia, foi o ato de improvisar as cenas, sem se preocuparem com normas cênicas convencionais. Assim, era comum que Didi levantasse a grama cenográfica, atravessasse paredes falsas, ou tirasse a peruca de Zacarias sem aviso, incluindo isso ao repertório do programa. Também era normal que todos começassem a rir no meio da cena e, depois, voltassem normalmente ao script.

No plano do conteúdo, o indicador de qualidade desconstrução de estereótipos foi considerado fraco em todas as emissões, pois é característico do programa utilizar clichês como forma de provocar o riso. Portanto, a proposta não é desconstrui-los, mas torna-los escrachados e ridículos. No programa de 1986, por exemplo, Mussum fala a respeito disso com o convidado, Grande Otelo: “Eu queria saber se naquela época tinha um paraíba chamando você de ‘fumacinha’, ‘cabo fumaça’, ‘pé de rodo’…”. Nessa frase, percebe-se o estereótipo do nordestino chamado de “paraíba” e das referências a uma pessoa de pele negra associadas a coisas de cor preta. O assunto é encerrado com Didi falando ao Grande Otelo sobre a “Dupla do Barulho”, que este fazia com o comediante Oscarito: “Vocês [Otelo e Mussum] podiam reviver essa dupla, hein: o Grande Otelo e o grande pássaro (urubu)”, e Mussum responde: “É a tua mãe!”, enquanto simula bater em Didi, causando confusão, correria e risadas.

Dessa forma, o indicador diversidade de sujeitos representados, recebeu notas diversificadas, pois apesar da variedade, os próprios personagens são estereotipados, mas há de se considerar outras participações no programa. Assim, três programas foram considerados bons, um razoável, e em um não foi possível analisar tal característica. O programa com nota mínima é o de dezembro de 1986, e obteve essa classificação devido ao caráter especial adotado nessa emissão, que apenas mostrou outros episódios de Os Trapalhões.

Os indicadores oportunidade e ampliação do horizonte do público andam juntos em Os Trapalhões devido ao caráter despojado de comédia pastelão do programa, que, consequentemente, não se preocupa em tratar de temas que causariam discussão ou fariam o público pensar sobre um assunto relevante. Por isso, quatro emissões são consideradas fracas em ambos os indicadores. A exceção é o programa de 28 de dezembro de 1986, que foi considerado muito bom nesses quesitos, no qual os protagonistas e convidados discutem a evolução do humor no audiovisual brasileiro, utilizando a metalinguagem e exibindo antigas produções que foram esquecidas ou poucas pessoas conhecem. Sobre isso, Renato Aragão, sem interpretar seu personagem (Didi) e com falas sérias, conversa com Margot Louro, atriz e esposa do comediante Oscarito:

RENATO: “A gente tem muita preocupação, porque o povo brasileiro, e acho que nós todos, tem memória curta, sabe. As coisas boas da gente, a gente esquece e pega as que vêm lá de fora, porque é moda. Você me falou há pouco tempo que viu filmes de Hollywood novinhos, uns filmes bem conservados, de mil novecentos e antigamente, que ainda hoje estão zerinho. Quer dizer, a gente passa na televisão filmes d’Os Três Patetas, O Gordo e o Magro, Jerry Lewis… e quem fez? E os filmes brasileiros não passam, e é necessário. E o humor brasileiro, não tem? Se eu tivesse uma mágoa, seria isso. Porque eu queria assistir Carnaval no Fogo, Aviso aos Navegantes”.

MARGOT: “As crianças mesmo precisavam ver os filmes antigos, porque eles não conheceram. A mocidade de agora, a juventude, não conheceu Oscarito”.

(Os Trapalhões – episódio 28/12/1986)

Confira, a seguir, o gráfico com as notas atribuídas a cada uma das emissões no plano do conteúdo:

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No plano da mensagem audiovisual, o indicador originalidade/criatividade foi considerado muito bom em todas as emissões, devido ao fato do programa ser considerado inovador à época e por ter se reinventado tantas vezes, introduzindo a participação da plateia e o improviso, além das mudanças de cenário e formato ao longo dos anos.

O indicador diálogo com/entre outras plataformas obteve considerações diversas: os episódios de 1977 e 1984 receberam nota fraca, pois há apenas a participação de alguns atores externos ao programa e, vez ou outra, Didi se refere à emissora; já o episódio de 1990 é razoável, pois introduz merchandisings das marcas SulFabril e Yakult, além de sorteios dos produtos para os espectadores.

As emissões de 1986 e 1991 foram classificadas como muito boas: em 28 de dezembro de 1986, os trapalhões fizeram um programa especial de fim de ano, no qual convidaram diversos comediantes e humoristas da época para conversar a respeito do humor no audiovisual, e exibiram filmes e programas humorísticos, além disso, convidaram também figurantes da Globo que encenavam vinhetas especiais para os comerciais e que, a cada intervalo do programa, improvisaram essas cenas. O programa de 28 de agosto de 1991 foi um especial em comemoração aos 25 anos d’Os Trapalhões, no qual houve participação do Jornal Nacional e Fantástico, diversos artistas globais e paródias de outros programas da emissora.

A solicitação de participação ativa do público se dá de forma sutil, quando Didi fala diretamente ao espectador, chamando-o de “o da poltrona” ou ainda com o gesto de passar a mão sobre a boca, estalar os dedos no ar e piscar, olhando para a câmera: “aguarde e confie!”, dizia. Além disso, a partir de 1990, a participação do público torna-se efetiva com a introdução da plateia. Com base nessas características, as emissões de 25 de fevereiro de 1990 e 28 de agosto de 1991 ficaram com nota boa e as outras três foram consideradas fracas.

O indicador clareza da proposta é bom em todos os cinco programas analisados, pois mesmo com as alterações feitas ao longo dos anos, manteve a essência dos esquetes e não perdeu características fundamentais, como elementos circenses e da comédia pastelão.

Veja, a seguir, as notas atribuídas aos programas analisados de acordo com cada indicador:

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Após essa análise e de acordo com os critérios de representação e experimentação do Observatório, pode-se concluir que Os Trapalhões foi um programa de comédia, que cumpriu sua proposta de entretenimento, com padrões elevados no audiovisual brasileiro e características inovadoras para a época em que foi exibido. No entanto, alguns indicadores importantes, como ampliação do horizonte do público e desconstrução de estereótipos, deixaram a desejar em termos de qualidade audiovisual. É importante ressaltar que foi analisada apenas uma pequena amostra do vasto conteúdo do programa em seus 18 anos de exibição.

Por Lilian Delfino

Observatório da Qualidade no Audiovisual

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