Observatório da Qualidade no Audiovisual

Sexo Frágil

Sexo Frágil foi um seriado que estreou na Rede Globo de Televisão em 17 de outubro de 2003 a partir de um quadro exibido pelo programa Fantástico. Sendo transmitido todas as sextas-feiras às 23hs, ao longo dos 10 meses em que esteve no ar teve um total de vinte episódios que tinham, em média, 25 minutos de duração. Criado por Luis Fernando Verissimo e adaptado por Guel Arraes, o humorístico descreveu o dilema de quatro jovens que viviam divididos entre o papel tradicional do homem na sociedade e sua vontade de ser mais sensível, flexível e gostar de discutir a relação a dois. Os atores Bruno Garcia, Wagner Moura, Lázaro Ramos e Lúcio Mauro Filho são os únicos atores no programa, interpretando os homens e as mulheres do seriado.

No plano da expressão, observamos que o tema de abertura do seriado, a canção “Gosto que me enrosco”, um samba de 1929 do compositor “Sinhô”, levanta a discussão da relação homem e mulher diante das transformações buscadas pelas feministas, como, por exemplo, o direito ao voto, que foi conquistado três anos após a gravação dessa música. A vinheta reforça essa relação de gênero da música de abertura e subverte a lógica de superioridade dos homens sobre as mulheres ao posicioná-los em primeiro plano para, posteriormente, revela-los muito menores em relação às mulheres, dando ideia de inferioridade perante elas. Ao mostrar, por exemplo, um homem musculoso fazendo exercício na barra de ferro, a câmera faz um movimento aparente de afastamento (zoom out) em relação ao que é filmado, para revelar o que está ao redor do objeto inicial, que é, no caso, um homem dependurado no brinco de uma mulher, e a representação de toda a grandeza feminina diante da pequenez do homem, que se mostra inferior.

No plano do conteúdo, um dos indicadores destaques foi ampliação do horizonte do público, observado nas propostas polêmicas que estimulavam o repertório cultural do espectador ao fazê-lo pensar e refletir sobre o que estava assistindo. Dos seis episódios analisados da série, no indicador ampliação do horizonte do público três episódios são fracos; dois, razoáveis; e um, bom, o que revela uma tentativa razoável do programa de inserir em seu público discussões de cunho relevante. Um bom exemplo disso pode ser identificado no episódio O ciúme, já no seu primeiro minuto. Ao som da música “Ciúme”, da banda Ultraje a Rigor, o tema “ciúme” é levantado numa mesa de bar pelo personagem Beto e logo em seguida um diálogo se inicia, com Fred se defendendo da acusação:

FRED: Eu não tenho ciúmes, porque graças a Deus eu não tenho dentro de mim esse sentimento egocêntrico e castrador que é o ciúme. Ciúme não é uma coisa legal de se ter. Ciúme não é coisa de homem.

ALEX: Concluindo: só o que é legal de se ter é coisa de homem?

FRED: Eu não disse isso. Eu disse isso?

BETO: E coisa de mulher, não é legal de se ter?

ALEX: Esquece!

(Sexo Frágil – episódio O Ciúme 23/07/2004)

A combinação desse diálogo com o movimento abrupto da câmera e os efeitos sonoros compõe a estética da cena e dão um ar de leveza ao tema, que é rapidamente inserido. O uso do zoom in, que acontece para dar destaque para trechos da fala do emissor; do zoom out, para revelar a reação dos outros personagens diante do que é falado; e a presença dos cortes secos, destacam o rosto dos atores e introduzem certa reflexão, dando ao espectador a chance de pensar por si mesmo.

O indicador de qualidade do plano do conteúdo diversidade de sujeitos representados é bastante importante se pensarmos que para desconstruir uma visão consolidada, ou um estereótipo, precisamos de um panorama plural de diferentes grupos da sociedade. Nesse indicador, dois episódios são razoáveis, e quatro são bons, o que revela que o programa não se preocupa em contar as histórias sob múltiplos ângulos e representações em todas as emissões. Normalmente, encontra-se uma visão dos homens protagonistas e outra das mulheres. No episódio Como dar o fora, que foi bem avaliado, assim como nos outros que também foram considerados diversos, a tática usada foi a de ir para as ruas para saber a opinião do público.

Durante 25 segundos do referido episódio, são levantadas questões como o que falar para o parceiro na hora de “dar o fora” e onde seria o melhor lugar para se fazer isso. Na entrevista, percebe-se a tentativa de um equilíbrio de gênero, já que são mostrados nove homens e nove mulheres. Desse total, quatro mulheres permanecem em silêncio, e uma introduz a primeira pergunta sem emitir seu palpite, já que não havia um entrevistador; dos homens, apenas um não opina. Durante o tempo da externa, três pessoas falaram duas vezes: duas meninas respondem às duas perguntas, e um rapaz introduz a segunda pergunta para logo em seguida respondê-la. Como se trata de uma externa, o som é ambiente, típico das ruas, com pessoas comuns, umas com roupas mais sociais e outras mais despojadas, para dar a impressão de pessoas de distintos círculos sociais.

O indicador desconstrução de estereótipos não se destacou no programa. O recurso do estereótipo foi bastante utilizado, a princípio para desconstruir as representações limitadas, mas acabou, ao final, reforçando-os. No episódio Minha vida não é um sitcom, por exemplo, os quatro personagens iniciam a história falando que “o mundo é dividido entre as celebridades, pessoas famosas e maravilhosas que todo mundo adora, e as pessoas comuns, que adoram as pessoas famosas”. Dessa forma, eles estimam que 98% das pessoas são banais e que eles fazem parte dessa imensa massa desconhecida à qual “ninguém dá a mínima”. Após uma tentativa falha de serem notados do jeito que são, vendo o porteiro do prédio do personagem Beto no Programa do Jô, chegam à conclusão de que também querem ser notados e que por isso devem adotar “tipos”. O “fortão burro”, o “atleta sexual que pega todas”, o “culto sensível” e o “hilário e espirituoso” são, segundo o consenso deles, os tipos mais interessantes e bem sucedidos. Observamos aqui, portanto, um constante e intenso uso do estereótipo nas emissões, mas não para a desconstrução, e sim para a afirmação.

Já no último indicador da qualidade do conteúdo, oportunidade, a avaliação revelou números baixos, pois, apesar de ser produzido em uma época de ascensão social das mulheres, o tema da relação de gênero na forma como é abordada não era tão falado e nem estava na agenda midiática, sendo o Sexo Frágil, por isso, um programa que possibilitou um pouco mais esses diálogos. Abaixo, a avaliação recebida por cada indicador de qualidade do plano do conteúdo:

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Quanto à análise da mensagem audiovisual, no indicador de qualidade originalidade/criatividade temos nos seis episódios analisados uma avaliação boa, o que aponta um bom desempenho do programa em surpreender o público com seu formato, apresentação e abordagem de temas. Essa avaliação se deve, entre outras coisas, à interação promovida com o público por meio de uma linguagem mais informal e direta, em que diversas vezes vemos que os atores falam como se estivessem conversando com o espectador pessoalmente.

Esse envolvimento é relevante, pois a temática comum a todos os indivíduos possibilita a identificação do público e sustenta os altos números recebidos pelo indicador solicitação da participação ativa do público, em que a participação dos mesmos, opinando acerca das situações abordadas no programa, permitiu um vínculo entre ambas as partes. Apesar dessa interação programa-público, não constatamos números no indicador diálogo com outras plataformas. Uma das justificativas para essa ausência deve-se ao fato de naquela época a internet não ser tão difundida como nos dias atuais, em que muitos programas conversam diretamente com seu público através das diferentes mídias.

No último indicador de qualidade da mensagem audiovisual, clareza da proposta, a alta avaliação recebida se justifica pelas discussões diretas e esclarecedoras trazidas pelos personagens, e pela objetividade que a música e a vinheta de abertura trazem, que adiantam o assunto tratado no programa, como já falamos anteriormente. Abaixo, os indicadores de qualidade da mensagem audiovisual, com suas respectivas avaliações:

sf2No início do século XXI, a fragilidade do tradicional “macho alfa” veio à tona quando, no contexto social, essa representação se viu diante de uma nova sociedade dominada pelo “sexo frágil”, antes assim rotulado, mas que se subverteu a esse estereótipo. As novas mulheres, mais independentes e seguras, ganhavam o seu espaço na sociedade e na televisão. Assuntos polêmicos sobre gênero, sexo, orientação sexual e preconceito, eram pontuados no programa a fim de ampliar o horizonte do público e gerar reflexões sob uma ótica nunca antes abordada nas telinhas.

Atitudes como indecisão, insegurança, choro, sensibilidade e sentimentalismo colaboram para a desconstrução do macho alfa na sociedade e foram constantemente notadas na atração. No entanto, a ideia de que homens só pensam em sexo e em mulheres contrapõe as atitudes mostradas, colaborando para fortalecer o conceito e o preconceito do senso comum.

Ao longo dos episódios percebemos uma dualidade: ora o programa se apresentava como um agente da desconstrução, por meio de ações, palavras ou da inserção de reflexões, ora promovia o reforço de generalizações construídas socialmente. Ao trabalhar a desconstrução para arquitetar formas de romper com o consolidado, foram usadas ideias que fortaleciam os estereótipos que recaíam sobre as mulheres.

Tentando desconstruir o estereótipo do homem e acabando, por fim, construindo o da mulher, o programa não tratou o homem como um ser autossuficiente, provedor, seguro e viril, como comumente é visto, e expôs as suas fragilidades, dúvidas e incertezas, ao passo que também exagerou, ridicularizou e rotulou algumas “atitudes de mulher”.

Em vista do analisado e considerando que existe uma linha muito tênue entre desconstruir um estereótipo e reforçar outro, é possível dizer que o seriado pecou pelo excesso da paródia na inversão dos papéis e acabou por reforçar os rótulos e paradigmas que giram em torno da mulher. Apesar disso, é inegável que teve sua importância no cenário da televisão brasileira, ao gerar certa reflexão e promover o envolvimento do público.

Por Luma Perobeli

 

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