Observatório da Qualidade no Audiovisual

Tá no Ar: a TV na TV

O programa Tá no Ar: a TV na TV estreou nas noites da Rede Globo em 17 de abril de 2014. Exibido por temporadas, geralmente exibidas no mês de abril, o programa é semanal e os episódios têm duração média de 25 minutos, divididos em esquetes com tempo máximo de 6 minutos.

Escrita por Marcelo Adnet, Marcius Melhem e Maurício Farias, a série satiriza a programação da televisão brasileira, desde humorísticos a telejornais, comerciais e canais de venda da TV a cabo. Entre os diversos temas abordados estão os acontecimentos da atualidade e assuntos corriqueiros como saúde, economia, política, esporte e cultura.

No plano da expressão, Tá no Ar traz um formato diferenciado para o audiovisual brasileiro, utilizando esquetes e efeitos especiais para ilustrar alguém que zapeia os canais da televisão. Dessa forma, alguns quadros têm apenas alguns segundos de duração e, com um corte brusco, passa-se para outra cena (flashes). Outra característica visual que destaca essa proposta é a utilização de uma arte, na parte inferior da tela, simulando uma grade de programas, na qual é mostrado o canal, volume do áudio e tempo de exibição do suposto programa.

Devido ao formato adotado, há muitas mudanças de cenário e figurinos. De acordo com informações disponibilizadas via internet pela própria emissora, os atores interpretam cerca de 72 personagens por episódio e 28 esquetes. Dessa forma, é característica forte e fundamental do programa as cenas bem construídas e os figurinos bem montados, para que a essência da proposta seja mostrada, principalmente nos flashes, no qual em poucos segundos o espectador precisa notar e entender do que se trata.

A maior parte dos quadros do programa são paródias de outras atrações televisivas, como o Ostenta, paródia do Esquenta, apresentado por Regina Casé, na Globo; o Te Prendi na TV, releitura do Você na TV, do canal Rede TV; e Dr. SUS, uma sátira da série médica americana House M.D.. Além desses, há reproduções de programas de entrevistas e telejornais, como o Jardim Urgente e o Jornal Câmera de Segurança que utiliza um formato ainda mais inovador por utilizar câmeras em ângulo plongée e com a imagem granulada e pouco nítida, como são as filmagens obtidas de câmeras de segurança.

A vinheta de abertura mostra vários aparelhos de TV, mudando de cores e formas, enquanto os atores da série são apresentados. A música Televisão, interpretada pela banda de rock Titãs, canta que “A televisão me deixou burro, muito burro, demais / Agora todas as coisas que eu penso me parecem iguais” e complementa a proposta do programa de criticar o meio e sua programação.

No plano do conteúdo, o indicador ampliação do horizonte do público recebeu nota boa em todas as emissões, pois, além da abordagem diferenciada, trata de temas que, apesar de serem comuns, podem despertar outras opiniões do público, diferente daquela mostrada no programa. No entanto, apesar da proposta de crítica à programação televisiva, o fato de predominar a ironia na linguagem nem sempre deixa clara uma opinião diferenciada ou a crítica em si.

Como no último episódio da segunda temporada, exibido em 16 de abril de 2015, o programa homenageia os 50 anos da Globo com releituras dos grandes sucessos da emissora, em que a maior parte dos esquetes e flashes constroem uma linha do tempo do canal. Por conta disso, a qualidade do episódio decai, principalmente em relação à promoção de discussões. Porém, ao final do mesmo, em contradição a tudo que foi exposto anteriormente, o programa faz uma paródia da abertura da novela Vale Tudo e da música Brasil, interpretada originalmente por Gal Costa com a seguinte letra:

“Não nos colocaram no horário nobre

porque o nosso galã é o Adnet

Porque na TV

para dar ibope

tem que ser malhado e emagrecer

Tem de ter anões em programas bizarros

Ou virar herói reformando carros

Bota beijo gay e mulher pelada

Ou um pastor rezando um copo d’água

Brasil, a TV não para

até de madrugada

tirando o seu ‘dindim’

Brasil, fofoca dos famosos,

boatos duvidosos

sempre foi assim

Eu já vi jogarem bacalhau em pobre

e debate editado pra me convencer

Antes do HD, toda atriz era nova,

agora plástica dá pra perceber

Vi celebridade perder peso no Fantástico,

não me confinaram num reality sem fim

Vi TV nascer bancada por dízimo,

correndo atrás pra passar o plim-plim

Brasil, mais de cem canais,

e a gente ainda quer mais,

do bom e do ruim

Brasil,

a TV é um negócio que vive do teu ócio,

se liga em mim

Se liga em mim,

Brasil.”

(Tá no Ar: a TV na TV – episódio 16/04/2015)

No indicador diversidade de sujeitos representados, o programa também foi bem avaliado, tendo recebido nota razoável em quatro das emissões avaliadas, e considerável em uma. A série representa diversas classes sociais, etnias e temáticas. O episódio com maior nota foi exibido em 24 de abril de 2014, e foram mostradas, dentre outras, a diversidade religiosa, por exemplo, no quadro Faceburca, falando do islamismo; diversidade cultural, com personagens nordestinos; e diversidade de gêneros como no flash “Interrompemos nossa programação para mostrar ‘um’ travesti defendendo um pênalti”.

No entanto, tal indicador esbarra em outro, desconstrução de estereótipos, devido às abordagens feitas pelo programa em cada episódio. Nesse quesito, três emissões foram consideradas como boas e duas como fracas. Fica claro que a intenção do programa não é a desconstrução de clichês, no entanto, quando certos temas são abordados sarcasticamente, trazem ao espectador um ponto de vista diverso do que costuma ser apresentado. Como no quadro citado anteriormente, no qual apesar de haver inclusão de outras religiões no contexto, a abordagem é estereotipada, pois fala de uma questão cultural da religião (o uso de burcas pelas mulheres) de forma pejorativa, como já costuma ser tratada. No entanto, no esquete A Bíblia segundo Rogéria, a desconstrução consiste em uma travesti, indivíduo tão marginalizado pelo cristianismo, falando sobre ensinamentos cristãos e mesclando-os às gírias comuns da linguagem LGBTTI (Lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e intersexuais). A única desconstrução de estereótipo explícita no programa são as citações externas a outros canais, a marcas e celebridades, que permeavam boatos de proibição por parte da Globo, que supostamente vetava qualquer tipo de referência a tais nomes.

Por último, o indicador oportunidade, que foi bem pontuado na avaliação com três episódios bons e dois muito bons. Tá no Ar, por abordar a televisão, acaba falando temas atuais e que, portanto, estão presentes no cotidiano do espectador, como política, violência, preconceito e desigualdade social. É bastante explícita a abordagem de um assunto oportuno – e polêmico – no esquete Jardim Urgente, que aparece em todos os episódios e trata sobre pequenos delitos infantis, como rabiscos nas paredes, troca de lanches por figurinhas e fuga da creche, como se fossem crimes hediondos, com uma cobertura jornalística bastante tendenciosa e duvidosa com relação à credibilidade. No quadro, fica clara a crítica do programa a respeito da redução da maioridade penal no Brasil e, por essa abordagem, faz pensar a respeito do julgamento sobre qual é a idade ideal pela qual deve-se responder por seus atos, mesmo sem explicitar a posição do programa a respeito de tal assunto.

Abaixo, podemos ver os indicadores de qualidade do plano do conteúdo para cada episódio:

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Assim, na mensagem audiovisual, o indicador clareza da proposta, recebeu nota máxima na avaliação de qualidade, pois a série possui um formato organizado, considerando que todos os episódios são diferentes e com muitos quadros a cada emissão, e mesmo assim são perfeitamente reconhecíveis as características principais do programa. Inclusive, é perceptível que alguns flashes entre um esquete e outro são quadros que foram exibidos na íntegra em outro episódio, como, por exemplo, o flash de Mozart com uma fã em um restaurante, exibido em 5 de junho de 2014, foi exibido na íntegra no quadro Ídolos da Música, em 24 de abril de 2014.

No indicador diálogo com/entre plataformas, Tá no Ar obteve notas boas, pois, apesar de ser pequeno o engajamento do programa com a internet nos episódios avaliados, além das sátira e paródias se basearem em programas reais, há citações de outros canais, celebridades e personagens em todos os episódios, de acordo com a proposta metalinguística do programa. A emissão de 26 de março de 2015, por exemplo, tentou criar um diálogo com as redes sociais, já nos primeiros minutos: “Interrompemos nossa programação para tentar emplacar a hashtag ‘interrompemos’”. A partir da terceira temporada, as paródias de clipes musicais feitas pelo programa conquistaram o público internauta, como o Lord of the Ends: Spoiler e o Chico Buarque de Orlando.

A solicitação da participação ativa do público não se destacou muito, sendo considerada razoável em todas as emissões. A linguagem dos episódios é voltada para o público, com vocabulário simplificado e uso de gírias. Além disso, as situações encenadas provocam identificação no espectador, mas não há interação direta com ele.

O último indicador de qualidade da mensagem audiovisual, originalidade/criatividade, recebeu nota considerável em todas as emissões. Tá no Ar: a TV na TV tem uma proposta bem diferente do que o humor brasileiro já viu, principalmente no que diz respeito à metalinguagem e linguagem audiovisual. Dentre vários exemplos, encontra-se o episódio exibido em 5 de junho de 2014, um especial de Natal (característica comum dos programas da Globo, como forma de reforçar a verossimilitude das narrativas) na metade do ano, porque aquela temporada terminaria antes de dezembro, como é justificado no episódio. Além disso, para que a simulação de uma programação de TV seja completa, o programa recria e satiriza também os comerciais, que na verdade se mostram bem sinceros sobre a realidade do produto e a satisfação do consumidor. Como no Qualquer Bank, que critica as publicidades dos bancos brasileiros e seus clientes sempre satisfeitos.

O esquete demonstra quais são as possíveis reclamações com os serviços e como seria a propaganda se houvesse sinceridade, como na fala de uma personagem idosa, esperando na fila de um banco lotada: “Eu quero um banco com um caixa só trabalhando nos dias mais cheios”. No entanto, a sátira à programação da televisão, principal fator motivador do programa, é uma herança da TV Pirata e do humorístico Satiricom, da década de 1970.

A seguir, os indicadores de qualidade da mensagem audiovisual com as respectivas avaliações:

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Com base nessas avaliações, é possível observar a tentativa do programa de inovar no âmbito do humor brasileiro, por meio de seus recursos técnico-expressivos, principalmente na ilusão de mudança de canal em seus esquetes, pelo modo de representação e diversificação dos personagens, mesmo estes sendo satíricos, da boa construção de diálogos e utilização da metalinguagem, e da ironia na abordagem ao telespectador. Apesar de reciclar muitos elementos de outros programas do gênero, Tá no Ar: a TV na TV contribui para a construção de uma narrativa diferenciada, podendo, por isso, ser considerado um programa de humor de qualidade.

Por Lilian Delfino

 

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