Observatório da Qualidade no Audiovisual

Tapas & Beijos

Tapas & Beijos é uma série de televisão brasileira exibida pela Rede Globo de Televisão entre 5 de abril de 2011 e 15 de setembro de 2015. Protagonizada pelas atrizes Fernanda Torres e Andréa Beltrão, a comédia romântica tem a direção de Maurício Farias, produção de Cláudio Paiva, e nomes como Vladimir Brichta, Fábio Assunção, Otávio Müller, Natália Lage e Daniel Boaventura no elenco. Com uma duração média de 45 minutos cada emissão, a série exibiu 169 episódios e foi vencedora de vários prêmios, entre eles o Prêmio Extra de Televisão, o Troféu APCA, o Troféu Imprensa e o Arte Qualidade Brasil Televisão.

A série conta as peripécias do dia a dia de duas amigas de mais ou menos 40 anos de idade, trabalhadoras, independentes e francas, que vivem cercadas por confusões em suas vidas amorosas, mas que ainda assim tentam ser felizes e sonham com seus príncipes encantados. Ao longo das cinco temporadas em que esteve no ar, a série passou por muitas mudanças. Num primeiro momento, por exemplo, Fátima (Fernanda Torres) e Sueli (Andréa Beltrão) são solteiras, dividem apartamento no Méier e trabalham na Djalma Noivas, uma loja de Capacabana que aluga vestidos e artigos para cerimônias de casamento; posteriormente, as amigas se interessam por Armane (casado) e Jorge (dono de uma boate de strip-tease), respectivamente, e acabam casando com eles; na quarta temporada, Fátima e Sueli percebem que seus casamentos estão desgastados e põem fim às suas relações, tentando seguir a vida a diante, mas tendo diversas recaídas com os ex; e no último ano em que foi exibido, em 2015, as protagonistas pedem demissão da “Djalma Noivas”, após 15 anos, para abrirem o seu próprio negócio: um brechó chique.

No Plano da Expressão, muitos aspectos se destacam. A vinheta de abertura, por exemplo, traz em todas as temporadas uma animação em que noivos no topo de um bolo aparecem em situações de conflito, e no final a cabeça do homem desmonta de seu corpo e cai sobre o bolo. Na vinheta final, os créditos em cor branca sobem na tela enquanto são mostradas as últimas imagens do episódio, que diminuem de tamanho e ficam de lado. Quanto aos efeitos sonoros, a série traz barulhos de carros e buzinas quando os personagens estão na rua, barulhos característicos de cada cenário e músicas de fundo que condizem com a temática da obra.

Os cenários que compõem a trama são bem diversos, como o apartamento de Sueli, o apartamento de Fátima, a boate La Conga, a loja Djalma Noivas, a loja de importados do Armane, e o restaurante do seu Chalita. Sobre a linguagem, a série adota um vocabulário informal, com palavras como sacanagem, cassete, cafajeste, piranha, gostosa, baranga, cretino, pilantra e bunda, além de expressões metafóricas e cotidianas, como a proferida por Fátima no episódio do dia 10 de junho de 2014: “minha relação é tão quente, mas é tão quente, que ela até piora o efeito estufa”.

No decorrer de alguns episódios analisados, verifica-se que mershandising não é uma prática incomum. Marcas como Fiat, Citroën e Kia são identificadas na trama, às vezes até não exclusivas no mesmo episódio, e sempre compondo o cenário, ao fundo das personagens. Outros tipos de propagandas também são feitas, como a do filme S.O.S Mulheres ao Mar, que naquele momento estava passando nas salas de cinema do Brasil. Quanto à composição gráfica, chama atenção as passagens de uma cena para outra, em que muitas vezes transitam na tela figuras geométricas mais transparentes que caracterizam o Rio de Janeiro, como as famosas paisagens ou formatos de calçadas.

No Plano do Conteúdo, o indicador ampliação do horizonte do público deixou a desejar. Somente os episódios da primeira e da última temporada são considerados razoáveis e, os demais, fracos. Isso se deve ao tipo de tema abordado pela trama, que é preferencialmente o desenrolar do dia a dia de uma pessoa que acorda cedo todos os dias, pega condução lotada, trabalha longe de casa, e tem que enfrentar os percalços da rotina. O episódio da última temporada, por exemplo, é razoável nesse indicador porque trata de temas relevantes de forma razoavelmente eficaz, como o suborno de representantes da lei, o exercício ilegal de uma profissão, e o racismo intrínseco nas pessoas.

No indicador de qualidade diversidade de sujeitos representados, vemos novamente um destaque para o episódio de 2015, que usou diferentes tipos de personagens para a encenação dos temas mecionados acima, como um fiscal do comércio, um dentista, um advogado, duas senhoras idosas, duas mulheres de meia idade, cinco crianças, um bebê de colo, um vendedor ambulante, patrões e empregados. Das emissões analisadas, quatro são razoáveis nesse indicador, e apenas essa é considerada boa.

No indicador desconstrução de estereótipos, as notas também não são muito altas. Entretanto, apesar de não desconstruir estigmas, Tapas & Beijos não os reafirma constantemente. No episódio do dia 12 de novembro de 2013, intitulado Lembranças do passado geram brigas no presente, porém, é uma exceção. Aos 7 minutos e 50 segundos acontece o seguinte diálogo entre Sueli e Jurandir:

JURANDIR: Oi Sueli. A gente precisa levar um papo sério.

SUELI: Tem que ser agora?

JURANDIR: É. A Bia me falou sobre o lance de você ter iniciado o pequeno PC.

SUELI: Poe que, eu também fui a sua primeira vez?

JURANDIR: Que… você foi a segunda.

SUELI: Que desculpa de mulherzinha. Vai, desembucha Jurandir, que eu tô ocupada.

(Tapas & Beijos – episódio Lembranças do passado geram brigas no presente 12/11/2013)

Com essa última fala de Sueli, vemos a inferiorização da mulher: o uso da palavra “mulherzinha”, uma tentaiva do diminuivo de “mulher”, associado a uma atitude errada (inventar motivos para algo), deixa claro o pressuposto de que mulheres mentem e agem de forma indevida.

E no último indicador de qualidade do plano do conteúdo, oportunidade, vemos uma variedade na avaliação: das cinco emissões, duas são fracas nesse indicador; duas, razoáveis; e uma, boa. Sobre as fracas, a justificativa é por abordar temas que ocorrem no dia a dia das pessoas, mas não estão na agenda midiática. E sobre a boa, a jusificativa é por abordar temas recorrentes na sociedade, que constantemente são vistos também nas mídias informacionais a que temos acesso, como, por exemplo, o racismo, que ainda é uma questão a ser vencida e veio na trama representada pela dificuldade que as pessoas têm para agirem de forma natural diante de um pai negro com um filho branco. Abaixo, os indicadores de qualidade do plano do conteúdo, com suas respectivas avaliações:

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Na Mensagem Audiovisual, o indicador de qualidade diálogo com/entre plataformas obteve avaliação razoável em todos os cinco episódios analisados devido à pouca interação do programa com os diferentes tipos de plataformas e conteúdos. Na série, o que constantemene acontece é o diálogo implícito com filmes que estão no cinema da vida real, a menção a bairros reais do Rio de Janeiro, e um dos sites da Rede Globo, que aparece no final dos créditos de cada episódio.

O indicador solicitação da participação ativa do público foi fraco em todas as emissões. Isso se deve, principalmente, ao formato do programa, que não é aberto à opinião do público e conta com uma equipe de roteiristas já formada. Na série, um dos únicos exemplos de interação direta entre personagem e público está aos 28 minutos do episódio do dia 10 de junho de 2014, intitulado Sueli é acolhida por Fátima e Armane, quando Sueli, sozinha na cena, olha para a câmera, aperta os olhos e morde a boca, como se estivesse mostrando ao público como ela está feliz com a situação de amor entre Fátima e Armane, que incluiu naquele momento gritos, tapas e gemidos.

No quesito originalidade/criatividade a série foi razoável em todas as emissões analisadas. Contudo, extrapolando o campo de visão dessas emissões, percebe-se que a série em geral é importante para a ampliação do horizonte do público quando aborda na trama as questões LGBT, até então original por trazer, a partir da terceira temporada, a personagem Stephanie, interpretada por Rafael Primot, que é uma travesti ingênua que se relaciona com Tijolo (Orã Figueiredo), o sócio de Jorge (Fábio Assunção) na boate.

O último indicador de qualidade da mensagem audiovisual, ao contrário dos anteriores, foi muito bem pontuado. Clareza da proposta foi assim avaliado devido à transparência dos seus objetivos e à explicitação do formato com o qual o programa trabalha. A linguagem coloquial, por exemplo, e o fato de o episódio sempre começar mostrando as ruas da cidade do Rio de Janeiro, as pessoas passando, trabalhando ou conversando na calçada, a frente de algumas lojas e os carros passando na rua geram uma identificação do público com o programa, que já no início se situa e entende sobre onde a narrativa se passará.

A primeira canção que é apresentada também contribui para essa clareza, já que a letra geralmente dialoga com a temática que será abordada em seguida. No episódio exibido no dia 10 de junho de 2014, por exemplo, o trecho “ele já não gosta mais de mim, mas eu gosto dele mesmo assim, que pena, que pena…” da música Que Pena, de Marisa Monte, introduz a história em que Sueli, separada de Jorge, tenta se recuperar com outros homens e vê o ex se relacionando com Flavinha, uma narrativa, portanto, que se relaciona com o trecho da música cantado no início. Abaixo, a avaliação recebida por cada indicador de qualidade da mensagem audiovisual.

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Por levantar questões importantes sem explorá-las de forma aprofundada e abrangente, podemos afirmar que Tapas & Beijos é uma série que apresenta características de qualidade em algumas emissões, mas que não pode ser assim considerada majoritariamente. Entretanto, é inegável a identificação e aproximação que o público teve com a série, fazendo com que ele se visse e se inspirasse nas personagens, espelhando-se nos seus desejos e objetivos.

Por Luma Perobeli

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