Observatório da Qualidade no Audiovisual

Vai que Cola

Vai que Cola é um programa de humor produzido e exibido pelo canal Multishow, com a direção de César Rodrigues e João Fonseca. O primeiro episódio estreou dia 08 de julho de 2013, sendo a primeira temporada exibida até 30 de agosto do mesmo ano.

A série conta a história de Valdomiro Lacerda, que foge da Polícia Federal após um grande golpe financeiro na empresa em que trabalhava. Assim, Valdo vai se refugiar no Méier e fica hospedado na pensão de Dona Jô, onde tem que conviver com os diferentes personagens que formam o cotidiano do bairro. Fazem parte do elenco principal Paulo Gustavo, Cacau Protásio, Samanta Schmutz, Marcus Majella, Fernando Caruso, Emiliano D’Ávila, Fiorella Mattheis e Catarina Abdala.

O programa teve suas duas primeiras temporadas filmadas na HSBC Arena e a terceira no Riocentro, nos quais se montava um palco giratório que permitia a visão da plateia de todos os cômodos da casa, à medida que o palco girava. Esse cenário é um dos pontos de destaque do plano da expressão, já que dinamiza o ambiente e permite, inclusive, que situações cômicas sejam construídas a partir do funcionamento de tal cenário. Tem-se como exemplo o episódio Dotadão do Méier, no qual o personagem Wilson transita pela pensão enquanto faz um monólogo, passando com facilidade pelos cômodos, de um modo que não seria possível em uma casa real. Ao chegar ao quarto de Dona Jô ele dispara: “Como é que eu vim parar aqui? O que tá acontecendo, meu deus?”.

Quanto aos efeitos sonoros, muitas vezes eles contribuem para construir a atmosfera da qual a cena necessita, como quando há músicas de suspense nos momentos de tensão, o que também constrói certo humor. Além disso, sempre que um personagem entra em cena pela primeira vez há uma música específica para ele, o que permite um primeiro contato do personagem com o público, que facilmente o identifica pela música. Há também, ainda nesse plano, a linguagem, que é utilizada de forma coloquial, com a inclusão de expressões populares e até palavrões.

Já no plano do conteúdo, todas as emissões receberam avaliação fraca no indicador desconstrução de estereótipos, pois os personagens geralmente se baseiam na afirmação desse tipo de generalização. Como exemplo tem-se Ferdinando, gay que é retratado de um modo exagerado, sempre com roupas extravagantes, além de “amar” Bárbara Streisand. Entretanto, esse tipo de representação exagerada pode levar o público a questionar sua validade. Um momento interessante a ser considerado nesse indicador é a conversa entre Velna e Wilson no episódio Dotadão do Méier:

VELNA: Tá bom, gente. Mas você só me trata como objeto. Eu queria ser alguma coisa a mais, assim, uma coisa além, sabe?

WILSON: Tipo o que?

VELNA: Tipo deixar de ser uma loira gostosa que eu sou e ser uma loira, gostosa, inteligente.

WILSON (rindo): Ai, desculpa, você tava falando sério?

(Vai que Cola – episódio Dotadão do Méier 07/10/2015)

A conversa caminha a uma desconstrução do estereótipo da loira gostosa e burra, mas a reação de Wilson só reafirma a generalização. Desse modo, o público pode refletir sobre os estereótipos que contém no programa, mas a desconstrução deles é feita de modo fraco.

No indicador oportunidade, por sua vez, quatro emissões receberam avaliação razoável, já que fazem uso de assuntos presentes no cotidiano do público e na agenda da mídia, como as dietas detox, no caso do episódio Quem mexeu no meu pudim (22/10/2014), ou as redes sociais e a internet, abordadas na maioria dos episódios. Apenas a transmissão do dia 07 de outubro de 2014, O Dotadão do Méier, recebeu avaliação fraca no indicador, pois não aborda temas atuais e relevantes que constam nas agendas do público e da mídia.

Já em relação à diversidade de sujeitos representados, todas as emissões foram bem avaliadas, pois os personagens retratados são distintos, havendo tanto diversidade cultural e econômica, quanto diversidade de gênero e pontos de vista. Tem-se, por exemplo, Valdomiro Lacerda, antes rico e morador de bairro nobre do Rio de Janeiro, convivendo com Jéssica, funkeira do Méier, e Velna, loira que se passa por gringa.

A ampliação do horizonte do público recebeu avaliação razoável em três das emissões analisadas, por tratarem de assuntos que incrementam o debate e a formação de ideias, tendo a capacidade de fazer a audiência refletir sobre o que está assistindo. No episódio Nega Maluca, por exemplo, Jéssica se mostra alegre e feliz nas suas redes sociais, mas a realidade não é condizente com o que ela mostra. O episódio Mulher Feia também trata da questão da internet, além de abordar o tema ciúmes e o controle que as pessoas podem ter sobre seus parceiros por meio das redes sociais. Já os episódios Quem mexeu no meu pudim e Dotadão do Méier não trouxeram grande debate a respeito de temas relevantes e férteis, sendo fracamente pontuados. Abaixo, os indicadores de qualidade do plano do conteúdo:

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Em relação à mensagem audiovisual, todas as emissões analisadas receberam uma avaliação muito boa quanto ao indicador clareza da proposta, uma vez que o formato do programa é nítido. A própria vinheta de abertura já dá ao espectador uma ideia de como é cada personagem, bem como alguns conflitos que podem ser vistos na sitcom. Na vinheta, tem-se, por exemplo, Jéssica usando o celular e brigando com Máicol, o que é recorrente nos episódios.

A solicitação da participação ativa do público é igualmente muito bem avaliada, pois há uma plateia que assiste cada gravação, aplaudindo e dando risadas. Os personagens, assim que entram em cena pela primeira vez, são ovacionados pelo público e dirigem-se a ele com acenos e sorrisos. Além disso, na maioria das vezes em que um personagem fica em cena sozinho ele fala em direção à plateia, como se falasse com ela. Como exemplo dessa participação tem-se o episódio Dotadão do Méier (07/10/2014), no qual, com a entrada de Sanderson, algumas pessoas da plateia começam a cantar “Aqui tem um bando de louco, loucos por ti Corinthians”, em referência ao time do personagem, o qual também interage com a situação.

Já no episódio Toma que o filho é teu (16/10/2014), no momento em que Dona Jô está contando sobre a infância de Jéssica e quando a levou ao Maracanã em um jogo do Flamengo, a plateia reage positivamente e Dona Jô complementa para o público: “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo”. A presença de uma plateia ainda abre espaço para o improviso, consideravelmente presente no programa. Sendo assim, o público pode ser considerado, também, parte da sitcom.

A mescla de televisão e teatro contribuiu, ainda, para incrementar o indicador diálogo com/entre plataformas. A presença de uma plateia, bem como de características como erros e improviso, remete ao teatro, ainda que o programa seja televisivo. Há também, durante os episódios, algumas referências a personalidades e programas reais, como em Toma que o filho é teu, no qual Jéssica diz a sua mãe: “Porque eu vi aquele filme, Lagoa Azul, que passa mil vezes na Sessão da Tarde”. Já no episódio Nega Maluca (20/10/2015), Wilson conversa com Dona Jô:

WILSON: Então, eu queria conversar sobre o seguinte, hum, então… No Star Wars, quando a Princesa Leia quis dizer que amava o Han Solo é a cena mais romântica do filme né…

DONA JÔ: Star Wars, claro.

WILSON: Então, o que acontece, era pra Princesa Leia falar ‘eu te amo’ pro Han Solo e o Han Solo responder ‘eu também’, só que o Harrison Ford tava de bode no dia, aí ao invés de ele falar ‘eu também’, ele falou ‘eu sei’.

DONA JÔ: Sei, Harrison Ford, ai eu adoro ele.

(Vai que Cola – episódio Nega Maluca 20/10/2015)

Além de tais elementos, a sitcom gerou dois spin-offs (programas derivados de obras já existentes): Ferdinando Show, com Marcus Majella, e Aí eu vi vantagem, com Samanta Schmut; um filme e dois vlogs – o Vlog do Ferdinando e o Vlog da Jéssica, com conteúdo exclusivo para internet. É comum Jéssica mencionar suas redes sociais nos episódios e, no site do canal Multishow, é possível acompanhar o vlog da personagem dando dicas sobre relacionamentos e comportamento, por exemplo. A partir dos vídeos mais recentes, o canal vem estimulando os espectadores a utilizarem as hashtags dos episódios de Vai que Cola para atingirem uma meta semanal e desbloquearem mais vídeos da personagem, divulgados pelo site e pelas redes sociais do Multishow.

No indicador originalidade/criatividade, o programa recebeu avaliação razoável nas emissões analisadas, pois seu formato não é totalmente inovador, já que tem como base o formato já consolidado de outros programas conhecidos do público, entre eles o Sai de Baixo. O que incrementa tal indicador é a metalinguagem quase sempre presente, à medida que os personagens se confundem com os atores e o programa com a vida real, sendo que elementos da própria construção do show, como o roteiro, são utilizados para o humor. No episódio Toma que o filho é teu, por exemplo, Valdo pergunta: “Você não é aquele garoto do comercial?”, se referindo ao ator convidado do episódio, o qual faz comerciais de telefonia.

No episódio Nega Maluca a metalinguagem é, especificamente nessa transmissão, mais utilizada do que o comum. Nesse episódio, Lacraia diz: “Ela namorou com nós dois, eu apenas deixei ela contigo um tempo porque eu tô fazendo novela, mas eu pedi uma liberação e eles deixaram eu fazer esse episódio”. Há ainda uma conversa entre os personagens enquanto o palco gira para mostrar os diversos cômodos da pensão:

WILSON: Peraí, já passou? Não, pô, volta! Que isso? Eu tô oito páginas sentado nesse banheiro e quando chega a minha vez vai passar direto? Não, volta!

LACRAIA: Ô, Caruso, que porra é essa? Ninguém nunca parou esse banheiro aqui em duas temporadas de programa!

WILSON: Ou, tu agora é participação, fica na tua!

(Vai que Cola – episódio Nega Maluca 20/10/2015)

 Abaixo, a avaliação de cada emissão na mensagem audiovisual:

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A partir da análise, pôde-se observar que Vai Que Cola obteve destaque em elementos da mensagem audiovisual, como solicitação da participação ativa do público, uma vez que o programa é feito com a presença de uma plateia, com a qual, muitas vezes, os atores interagem. O indicador diálogo com/entre plataformas também é outro ponto de destaque, já que são comuns diversas menções a elementos da realidade, além de o programa possuir conteúdos exclusivos para internet e ter gerado dois spin-offs. Esses são elementos relevantes de Vai Que Cola, já que, em programas televisivos, não é muito comum haver tamanho destaque em tais indicadores.

Entretanto, indicadores do plano do conteúdo, como ampliação do horizonte do público, não obtiveram tal desempenho. Em relação a esse indicador, o programa, em algumas emissões, trata de assuntos pertinentes, porém não com a relevância necessária para gerar uma reflexão aprofundada no público. Como citado anteriormente, no episódio Nega Maluca o programa aborda temas como as redes sociais, que, muitas vezes, não apresentam um cotidiano condizente com a realidade. Jéssica, no episódio, se mostrava feliz e alegre em suas redes sociais, mas, na realidade, não estava assim. O tempo destinado a esse tipo de tema, bem como a profundidade com que tais temas são tratados, dificulta, contudo, uma reflexão mais complexa a respeito do que está sendo abordado.

A desconstrução de estereótipos também não obteve destaque, sendo pouco verificada nas emissões analisadas. O programa, utilizando dos diversos personagens apresentados, teria estrutura para trabalhar com qualidade o indicador, mas, ao invés disso, aposta na afirmação de alguns tipos de generalização para criar o riso. Tem-se como exemplo, o diálogo citado anteriormente entre Velna e Wilson, que caminhava para uma desconstrução, mas que acabou reafirmando um estereótipo. O exagero das atuações e dessas representações pode levar o telespectador à reflexão, mas não com a qualidade e profundidade que se espera em relação ao indicador. Desse modo, não são observados com destaque elementos essenciais ao humor de qualidade, considerado aquele que traz discussões relevantes e pertinentes capazes de levar o público à reflexão e ao debate de ideias.

Por Júlia Garcia Gouvêa Andrade

Observatório da Qualidade no Audiovisual

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