Zona do Agrião foi um programa que buscava parodiar as mesas redondas esportivas, testado pelo canal Multishow, na Copa do Mundo de 2010, com apresentação de Bruno Mazzeo. Inicialmente o formato era de pílulas de 3 minutos que apareciam durante a programação e contava com a participação dos personagens Yatta Fonseca, Manzana Zil e Caio Lúcio. Em Julho de 2012 o canal estreou um novo formato, desta vez com a apresentação do humorista Marco Bianchi. Diferente da primeira temporada, os episódios teriam sempre a participação de um convidado. Os personagens foram conservados; Gillray Coutinho permaneceu representando o comentarista Yatta Fonseca e Rodrigo Candelot, o repórter Caio Lúcio. Mariana Gouveia entrou como a assistente de palco Manzana Zil e o ex-jogador de futebol Odvan, no papel de correspondente internacional do programa. A segunda temporada, trabalho da jovem produtora audiovisual 2 Moleques, contou com 13 episódios, que iam ao ar toda terça-feira às 23h. Eram trazidos debates e comentários inusitados sobre diversas modalidades esportivas.
Uma curiosidade é que a Rede Globo já havia exibido um programa esportivo chamado Na Zona do Agrião, que começou em 1966 e durou um ano. Foi o primeiro programa na emissora com comentários sobre futebol, apresentado por João Saldanha – criador dessa gíria futebolística. O programa ia ao ar de segunda a sábado, às 19h35. “Na zona do agrião” é uma expressão do futebol, que se refere à grande área onde todas as jogadas são de grande importância, tanto para quem ataca, como para quem se defende. O significado do termo está relacionado ao cultivo do agrião, uma vez que a hortaliça deve ser plantada num terreno que retém uma grande quantidade de água e no qual as pessoas precisam se mover com cuidado.
No Plano da Expressão alguns detalhes se destacam no programa. Nota-se principalmente a linguagem e o estilo de fala do apresentador, que se parece muito com o jeito comum entre narradores e comentaristas esportivos. Manzana Zil também tem uma maneira própria de falar, gesticulando muito e com um tom chamativo. Marco Bianchi repete a expressão “nesta jornada querida” no início dos episódios, o que estimula uma memória no espectador. A apresentação inicial dos personagens do estúdio também é feita sempre, com Manzana sendo caracterizada como “internauta e banhista” e Yatta como o “ex vice campeão carioca de pebolim”. Quando o apresentador anuncia o convidado, geralmente fala seu nome inteiro, depois revela o nome artístico. Na chegada ele o cumprimenta e faz perguntas, numa demonstração de intimidade.
A abertura é bem rápida e tem desenhos animados que mencionam vários esportes num cenário de campo de futebol à noite; a vinheta remete ao ruído de torcida. Outro destaque é o cenário que imita o padrão observado em programas esportivos e abusa dos tons de verde, roxo e laranja; o piso lembra o gramado de um campo.
Nos momentos finais do programa, há a transmissão do correspondente Odvan. O repórter sempre está sem retorno de som, e são feitas perguntas a ele – que tem fones na orelha – mas ele fica só olhando para frente ou para o ambiente em que está, uma vez que não ouve o apresentador. Existe uma inscrição na tela dividida com a marca “satélite zoneado” e Odvan nunca fala nada. Esse quadro pode ser interpretado como uma paródia dos telejornais , quando comumente ocorre um delay, ou seja, um atraso de som nas transmissões via satélite.
Todos os episódios apresentam alguns momentos fixos, como o sorteio de algum prêmio aos telespectadores, o “Baú do Yatta”, o correspondente Odvan e o “pingue-pongue” com o entrevistado, o que cria um costume em quem assiste.
Na análise do Plano do Conteúdo, quanto à ampliação do horizonte do público, todas as notas foram fracas. Isso se deve à carência de assuntos que levassem o espectador à reflexão. O programa investia em piadas costumeiras, como no episódio do dia 24 de julho, em que Bianchi brinca com o tamanho de Yatta dizendo: “A primeira vista pode parecer baixinho, mas pessoalmente ele é ainda mais tampinha”, e Yatta responde: “Tampinha não, compacto”. Ou no episódio do dia 24 de julho quando Yatta diz ao convidado Biro Biro que ainda não almoçou, coloca um guardanapo na blusa e pega um prato de macarrão instantâneo. Bianchi comenta sobre a semelhança da comida com o cabelo do convidado.
Também é visto uma falta de aproveitamento dos temas, que sempre são tratados de maneira superficial. No episódio de 14 de agosto, por exemplo, no quadro “Baú do Yatta”, o personagem diz que sente saudade dos anos 70, quando as mulheres saíam para “queimar os sutiãs”. De acordo com ele, o fato além de ter gerado a emancipação das mulheres, permitiu que os homens tivessem acesso ao “farol aceso”. Essa referência, correspondente às manifestações feministas da época, poderia ter servido para levar o espectador a uma reflexão, porém foi colocada de maneira extremamente machista e rasa.
No quesito diversidade de sujeitos representados, as notas variaram entre fraco e razoável. O critério utilizado foi o convidado do dia, uma vez que dentre os personagens fixos não é observada uma multiplicidade de sujeitos, sendo que quatro são homens e só há uma mulher, que quase não participa ativamente. Portanto, quando a convidada do dia era uma mulher foi dada a nota razoável; quando o convidado era homem, a nota foi fraca.
Neste plano, indicador que mais chama a atenção no programa é a desconstrução de estereótipos: todas as emissões obtiveram nota mínima, ou seja, esse indicador não constou. Uma das justificativas é a presença da mulher atraente no palco; Manzana Zil tem a única função de ler uma mensagem no início do programa – que sempre tem uma tendência cômica – e comunicar o sorteio do dia; depois não tem mais participação, o que faz supor que ela está ali somente para atrair o olhar do espectador. Às vezes a câmera passa rapidamente por ela, que aparece mexendo no celular.
Outro motivo observado foi o modo como estereótipos femininos são reforçados, como no quadro “Baú do Yatta” em que ele se refere à sua esposa como “Dona Encrenca”. Outro exemplo pode ser visto no episódio do dia 24 de julho, quando é exibido um VT com os “carrinhos” de Biro Biro e o ex jogador é mostrado em vários automóveis; são feitos comentários como “porta loira clássico” e “motor para sete cavalas”, sugerindo o interesse das mulheres em carros.
O indicador oportunidade foi avaliado como fraco em todas as emissões, uma vez que o apresentador muitas vezes trazia temas irrelevantes na vivência do entrevistado. No episódio do dia 14 de agosto, por exemplo, em mais uma das perguntas que pretendiam fugir ao lugar comum dos debates esportivos, a esportista Jaqueline Silva responde: “Sei lá, o que isso tem a ver com voleibol?”, deixando o apresentador sem graça. Nessa hora aparece o efeito de uma bola quebrando vidro na cara de Bianchi. As perguntas e temas também não eram necessariamente atuais.
Veja a seguir as avaliações segundo os indicadores do Plano do Conteúdo:
Na análise da Mensagem Audiovisual, o indicador clareza da proposta obteve avaliação muito boa em todas as emissões, uma vez que pelo formato do programa ser fixo, leva a uma melhor assimilação pelo espectador. O programa é realmente muito parecido com os exemplares de jornalismo esportivos, sendo que no inicio é feito um resumo com os destaques do programa; há matérias externas com um repórter de rua e há entrevista no estúdio. Além disso, toda a trilha musical e o cenário são comuns aos programas desse ramo.
O indicador diálogo com/entre outras plataformas foi classificado como bom, uma vez que por ser uma paródia de outros programas, é vista uma relação. Outra menção observada foi a citação “Pois bem, amigos do Multishow”, com a qual Bianchi iniciava as transmissões, e que lembra a famosa frase do narrador Galvão Bueno “Bem amigos da Rede Globo”, dita em inícios de jogos, o que foi interpretado como um diálogo com outro produto audiovisual.
O indicador solicitação da participação ativa do público, assim como o anterior obteve notas fracas. O motivo foi que a solicitação só existia de forma fictícia a cada começo de programa, quando Manzana Zil convidava os espectadores a mandarem e-mails para participação nas promoções.
No quesito originalidade/criatividade as emissões foram classificadas como razoáveis, uma vez que é um formato de programa já bastante conhecido, porém com a proposta cômica e que investe no riso fácil. Um exemplo é a atuação de Gillray Coutinho, que no início do episódio do dia 07 de julho de 2012, aparece fazendo abdominais deitado no chão e com os pés na cadeira enquanto fala. O personagem também é visto fazendo graça com caretas e caindo em cena em algumas emissões.
Outro exemplo é no momento depois que o convidado chega. O apresentador mostra seu “fã clube”, que é montado com a pequena equipe de produção e filmagem e sempre serve como um tipo de provocação ao entrevistado. Como no episódio do dia 4 de setembro de 2012 em que o fã clube de Sandra de Sá tem homens que usam roupas e tem bandeiras vascaínas, isso porque a cantora torce pelo Flamengo. Confira o gráfico:
Observando os modos de representação, a criação e atuação dos personagens se dava de forma caricata, de modo a reafirmar alguns estereótipos, como o da mulher bonita e fútil. O programa não demonstrou nenhuma preocupação com críticas sociais ou representação de diversidade, sendo que os temas tratados não contribuíam para a mínima reflexão do espectador.
O uso dos recursos da linguagem audiovisual eram reciclagem de programas já existentes e com formato consolidado. A proposta era favorável para promover o debate de ideias e de pontos de vista, porém isso não acontecia. O público também não possuía nenhum tipo de participação. Além disso, o programa não apresentou nenhuma característica marcante que o fizesse ser lembrado, como bordões ou marcas específicas.
Por Letícia Silva
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