Observatório da Qualidade no Audiovisual

A invenção do Brasil

Em 2000, como comemoração aos 500 anos de Descobrimento do Brasil, a Rede Globo lançou, em parceria com a Globo Filmes e a produtora Lereby, a minissérie A invenção do Brasil. Exibida em três capítulos, entre os dias 19 e 21 de abril de 2000, baseava-se na história de Diogo Álvares relatada no poema Caramuru do Frei Santa Rita Durão.

A “documédia” de autoria de Guel Arraes e Jorge Furtado mesclava realidade e ficção ao contar a vida de Diogo Álvares (Selton Mello), pintor português vítima de armação do comandante Vasco de Athayde (Luís Mello) e da sedução da francesa Isabelle de Avezac (Débora Bloch). Acusado de furto de um mapa da Cartografia Real, o jovem é degredado numa embarcação com destino às Índias. Um naufrágio o faz parar às costas brasileiras e ser recebido pelos índios Tupinambás. Receoso pela selvageria dos índios, dispara um tiro de sua espingarda, tal fato faz os nativos o considerarem uma espécie de divindade, o Caramuru. O nome Caramuru significa “filho do trovão” e também é relacionado a denominação indígena de uma espécie de enguia elétrica.

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Com seu estabelecimento na tribo, Diogo acaba se apaixonando pelas irmãs Paraguaçú (Camila Pitanga) e Moema (Deborah Secco), filhas de Itaparica (Tonico Pereira), cacique da tribo. Este poliamor entre os três personagens é, então, ameaçado com a volta de Vasco e a proposta de casamento de Isabelle para Diogo. Ainda que apaixonado pelas índias, o português decide embarcar para a Europa a fim de casar-se com a francesa. No dia da partida Paraguaçú e Moema vão atrás da caravela mas apenas Paraguaçú consegue ser resgatada e levada ao continente europeu.

Em Portugal, Isabelle planeja seu casamento para tirar proveito da condição de soberano dos Tupinambás de Diogo, mas é vítima da própria ganância ao confrontar-se com Paraguaçú. Ao fim, Diogo se casa com a índia e retorna ao Brasil tornando-se líder da tribo dos Tupinambás.

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A estrutura da narrativa de A invenção do Brasil é permeada por intervenções do narrador Marco Nanini em cenas de chroma-key, animações, simulações de propagandas, programas culinários e esportivos. Utilizando-se destas estratégias a atração buscou situar e dar referências ao telespectador sobre o momento histórico tratado.

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A minissérie foi transformada em filme, lançado em 9 de novembro de 2001 pela Globo Filmes e Columbia Pictures mantendo apenas o romance principal. No mesmo ano foi lançada a trilha sonora em CD e um livro com os roteiros de filmagem. A produção ainda foi reapresentada na íntegra pelo canal Multishow em 2005.

No Plano da Expressão desta análise, destacamos os seguintes indicadores: ambientação, caracterização dos personagens, trilha sonora, fotografia e edição. Para corroborar a verossimilhança na minissérie, Brasil e Portugal serviram como ambientação para A Invenção do Brasil.

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No Brasil, foi rodada no Rio de Janeiro, em Picinguaba e no litoral paulista. A extensão e a desertidão das praias escolhidas permitiu à produção remontar uma tribo indígena com ocas e totens. A praia e o mar disponíveis foram ocupados por caravelas numa busca pela construção do universo imaginário da época das Grandes Navegações.

As gravações em Portugal aconteceram no Palácio de Queluz, em Lisboa, no centro histórico da cidade de Leiria e no Mosteiro da Batalha, monumento gótico. Os prédios escolhidos por sua importância histórica proporcionam a imersão do telespectador na Europa imponente e abastada de riquezas do século XIV.

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A narrativa bem como a caracterização dos personagens buscou referências nas obras de Mario de Andrade e José de Alencar. O cacique Itaparica e seus trejeitos preguiçosos foram inspirados em Macunaíma de Mário de Andrade, parte do movimento Antropofágico brasileiro.

Exóticas, as irmãs Paraguaçú e Moema tinham inspiração nos romances O guarani e Iracema e utilizavam em seu vestuário materiais como folhas secas, cascas de coco, palha, cordas, escamas de peixes e penas além de brincos confeccionados com besouros secos. Tais elementos, uma concepção do figurinista Cao Albuquerque, simbolizam a naturalidade e liberdade indígena.

Para os personagens europeus, Cao imprime um tom mais conservador e caricato da época. Diogo, o Caramuru, usa calções bufantes, chapins e uma boina. Já em Vasco, percebemos um o rufo e o gibão de placas utilizados pela nobreza do Renascimento; o personagem também carrega uma mão de gancho, em alusão ao Capitão Gancho da história de Peter Pan. Isabelle, a vilã, tem seu figurino carregado por quatro camadas de roupas de cores vermelhas ou pretas e decotes: sua imagem evoca as mulheres ruivas e exuberantes de shows burlescos.

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A trilha sonora, a cargo de Lenini, trouxe algumas músicas compostas por ele especialmente para a atração como O último pôr do sol, que compôs com Lula Queiroga, Tubi tupy, composta em parceria com Carlos Rennó, e Miragem do porto, que compôs junto a Bráulio Tavares. Além destas, Rap do real de Pedro Luis e a Parede e Manguetown de Chico Science, com críticas sociais em suas letras, conferem a atmosfera de brasilidade e ironia também presentes no texto escrito por Guel e Furtado. Um exemplo deste aspecto é a reprodução de Rap do real na cena onde Itaparica aparece como ambulante vendendo artesanatos aos estrangeiros, numa clara analogia aos ambulantes das praias atuais do país.

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Primeira minissérie filmada totalmente no formato HDTV e aspecto cinematográfico, A invenção do Brasil teve direção de fotografia de Félix Monti. O diretor usou o recurso para evidenciar o contraste entre imponência e o requinte da Europa, nas cenas rodadas nos palácios e ruas portuguesas, e a simplicidade e naturalidade do Brasil com cenas de paisagens naturais. Outro ponto a se destacar é a grande presença de noturnas nos cenários europeus enquanto as cenas na tribo são rodadas na luz do dia. A luz das velas dialoga diretamente com a disparidade de progresso entre os dois continentes.

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A edição televisiva da minissérie conta, além do romance, com intervenções do narrador Marco Nanini. Enquanto as aventuras de Diogo ocorrem no eixo Brasil-Portugal, explicações sobre o contexto histórico, referências de textos da época são proporcionados ao telespectador em tom humorado. As esquetes exploram linguagens híbridas e recursos visuais como animações, recortes de pinturas, recitação de poemas e trechos de documentos, utilização de imagens de documentários, montagens do narrador em cenários virtuais e posicionamento de conteúdos em simulações de propagandas ou esportes.

No romance, a edição usa o formato linear. Contando com ajuda do narrador, a história relata desde a degredação de Diogo a sua ascensão como chefe da tribo Tupinambá. Em relação a parte ficcional, os recursos visuais são utilizados apenas nas cenas finais para construção de um epílogo dos personagens.

No Plano do Conteúdo, analisamos os indicadores de qualidade: intertextualidade, escassez de setas chamativas, efeitos especiais narrativos e recursos de storytelling. Nesta análise, pudemos perceber que a intertextualidade, até por ser inspirada em um fato verídico permeia toda a narrativa. O próprio título é uma alusão ao prefácio do livro A fundação do Brasil do antropólogo Darcy Ribeiro.

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Na trama, Diogo, ainda como pintor, utiliza-se como inspiração “O nascimento de Vênus”, quadro de Boticelli para representar Isabelle na ilustração do mapa das Índias. Ainda desempenhando a cartografia, o personagem faz referência a mitos e lendas da época como monstros do mar e sereias. Por fim, ver-se apaixonado por Paraguaçú recita “Amor é fogo que arde sem se ver”, poema de Camões.

O diálogo presente entre o personagem Itaparica de Tonico Pereira e o protagonista de Macunaíma ainda merece destaque já que o Movimento Antropofágico, escola de onde esta obra advém, tinha como proposta a combinação de valores primitivos com advindos de outras culturas, formando um amontoado de fragmentos culturais e chegando a aproximar-se do bizarro.

O indicador escassez de setas chamativas não foi contemplado pela atração já que as intervenções do narrador situa o público de forma didática na narrativa e no contexto histórico explorado. Fora a parte documental, mais precisamente no capítulo final do romance, é realizada uma retrospectiva da história de Caramuru de forma a auxiliar o telespectador que não acompanhou os dois outros capítulos entender o desenrolar da história.

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A história segue uma linearidade onde o clímax e desfecho são os esperados pelo público, não explorando efeitos especiais narrativos. Ainda que mesclando realidade e ficção, o não-uso destes recursos é justificado por se tratar de um fato histórico.

Os recursos de storytelling também não são utilizados pela trama, que conta apenas a perspectiva de Diogo sobre os possíveis fatos ocorridos.

Por Léo Lima

 
Ficha Técnica:

  • Autoria: Guel Arraes e Jorge Furtado
  • Direção: Guel Arraes
  • Direção de núcleo: Guel Arraes
  • Número de capítulos: 3
  • Período de exibição: 19/04/2000 – 21/04/2000
  • Horário: 23h

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