Observatório da Qualidade no Audiovisual

Análise Young Royals

Por Beatriz Morais, Clara Pires, Daphny Lima e Rafaella Pires

Introdução

O presente trabalho, surge realizado no âmbito da unidade curricular de Semiótica inserida na licenciatura em Ciências de Comunicação, da Universidade do Algarve e tem como objetivo principal, a análise e reflexão concreta de determinadas imagens e trailer atendendo às perspectivas indicadas segundo a semiologia.

Neste sentido, procurámos aprofundar os conhecimentos e noções gerais que  adquirimos ao longo do semestre de acordo com a disciplina, de forma a poder aplicar os conteúdos lecionados, no sentido prático, ao interpretar o respectivo trailer e dois cartazes da série Young Royals (Sekersöz & Calmeyer, 2021)

De uma forma geral, pretende-se sistematizar concretamente o que é a semiótica de maneira a empregá-la, em seguida, de um modo mais consciente, no objeto de análise em questão. Em simultâneo, destaca-se igualmente e com a mesma relevância o contexto em que a série nos apresenta e como ocorreu sua divulgação. A partir da metodologia de Charles Sanders Peirce e de sua divisão de signo na tricotomia: ícone, índice e símbolo, responderemos como a construção semiótica dos posters e do trailer sintetiza e promove a série.

Parâmetros de análise: a semiótica peirceana

Considerada ciência em meados do século XX, a semiótica desde então tem levado pesquisadores a considerarem o seu valor no processo comunicativo por ter como objetivo de estudo da linguagem, o mundo e as suas representações. Como ciência, possui característica sistemática, isto então abre portas para a subdivisão das diversas disciplinas, tendo em consideração os seus respetivos aspetos de formação dos signos e as suas regras (Elberse e Anand, 2005, apud da Silva, Moisés et al, 2019).

De acordo com Gordon (1988, apud apud da Silva, Moisés et al, 2019), a capacidade da semiótica de ser aplicada em diversas ciências deve ser vista e interpretada de forma natural: “Como podemos ver, é inteiramente natural para a semiótica recorrer aos recursos e atividades de outras áreas – tecnologia, arquitetura, história da arte, cultura popular, mitos e lendas populares, desporto, política […]”. Lúcia Santaella reafirma esse potencial multidisciplinar da semiótica, dando a esta uma posição privilegiada em seu alcance quanto à ciência que permite a compreensão de diversas disciplinas. Porém, não a colocando como ferramenta específica de estudo das mesmas: seus estudos e indagações que vão desde, a culinária até a psicanálise, que se intrometem não só na meteorologia como também na anatomia, que dão palpites tanto ao cientista político quanto ao músico, que imprevistamente invadem territórios que se querem bem protegidos pelas bem demarcadas fronteiras entre as ciências, isso não significa que a Semiótica esteja sorrateiramente chegando para roubar ou pilhar o campo do saber e da investigação específica de outras ciências (Santaella, 1990, p., apud da Silva, Moisés et al, 2019).

Nos estudos de comunicação distinguem-se duas grandes correntes de investigação, a que interpreta a comunicação como um fluxo de informação e a que a interpreta como comunicação no contexto a produzir e trocar sentido. A primeira corrente referida é a considerada escola processual da comunicação, sendo que a segunda é a escola semiótica.

Ao longo do desenvolvimento analítico das imagens e trailer escolhido para o presente estudo, o foco incide na última corrente de investigação nomeada – Escola Semiótica, mais especificamente da semiótica peirceana.

A Semiologia é a designação de uma ciência complexa, que se dedica ao estudo e análise de todos os signos em geral, tanto os linguísticos, quanto os semióticos. Os signos linguísticos são aqueles relacionados com a escrita e semântica, ao contrário dos semióticos serem todos os signos da natureza e humanos:

“Pode portanto conceber-se uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social; (…); nós chamá-la-emos semiologia (do grego semeion signo). Ela ensinar-nos-ia em que consistem os signos, que leis os regem (…) A linguística não é senão uma parte desta ciência geral.” (Saussure, 1916, apud da Silva, Moisés et al, 2019).

O signo apresenta-se como qualquer coisa que significa algo para alguém. É essencial para referir a sua diversidade e as suas abrangências, representa e está sempre no lugar de outra coisa. Para Charles Sanders Peirce a Semiótica é o processo de ressignificação, a partir da codificação (semiose) da produção de sentido.

Para entendermos o processo de sentido é preciso analisar os signos, que para Peirce, passa por três processos de divisão: primeiridade, secundidade e terceiridade. Dentre essas tricotomias ele faz diversas divisões que devem respeitar a ordem de análise: quali-signo, sin-signo e legi-signo; ícone, índice e símbolo; dentre outros que convergem a partir de uma primeiridade contemplativa.

“Para Peirce, essa capacidade contemplativa corresponde à rara capacidade que tem o artista de ver as cores aparentes da natureza como elas realmente são, sem substituí-las por nenhuma interpretação. Nossas interpretações vêm sempre muito depressa, sem nos dar tempo para simplesmente nos abrirmos com certa singeleza para o que se apresenta.” (Santaella, 2002)

Para a nossa abordagem iremos refletir sobre o ícone, índice e símbolo, como descrito a seguir:

Ícones: sugere, evocam, revelam uma relação de semelhança entre o significante e o significado. Ex.: cores, formas, texturas, etc.

Índices: indica e representa a realidade, o significante é adjacente ao significado. Ex.: relógio (índice de tempo), pegada (indica que algo/alguém passou por ali); fotografia (uma vez que sempre será uma representação da realidade), etc.

Símbolos: representa algo, são os que, não havendo uma relação de proximidade ou semelhança, indica uma relação convencional entre significante e significado. Geralmente os emblemas, insígnias e estigmas apresentam uma relação simbólica intencional – classe de objetos definida por propriedades idênticas. Ex.: cruz; suástica; bandeiras, etc.

Neste aspecto uma imagem/fotografia é um índice: uma representação da realidade, que unido aos ícones que a compõem, trazem simbologias produzindo, por fim, algum significado. Levaremos também em consideração propriedades como formas, sonorização e, principalmente, cores, voltando sempre à relação signo-objeto, considerando que:

Ao contrário do que todo mundo pensa, as cores são muito mais do que apenas estética, elas possuem significados que vão muito além de nossa visão superficial das coisas. São capazes de influenciar em nossas atitudes e no ambiente em geral, além de atingirem um maior número de pessoas por não possuírem barreiras linguísticas. Antonioni (1947, apud Martin, Marcel, 2005, p. 87), diz que –‟a cor é uma relação entre o objeto e o estado psicológico do observador, no sentido em que ambos se sugestionam reciprocamente”- ou seja, as cores nos influenciam tanto quanto nós as influenciamos. (Stamato, Staffa & Von Zeidler, 2013. Pág. 4).

Atendo-se à relevância das cores, a tabela a seguir traz alguns significados que as cores como ícones podem remeter.

Tabela 1 – Significado das cores
Retirado de STAMATO, STAFFA & VON ZEIDLER, 2013.

Na sociedade, a semiótica tem o poder de representar algo que é diferente daquilo que é apresentado. No meio audiovisual a mesma tem um papel fulcral nos processos para convencimento utilizando sempre de recursos a seu favor, exemplo disso é o trailer. O trailer faz parte da série e é uma ferramenta de propagação potencial a nível audiovisual. O mesmo tem o elemento que é capaz de atrair a audiência fomentando a identidade do filme, trazendo em si de forma intrínseca a sinopse.

Luva (2007) destaca três caracterizações narrativas dos trailers que reforça a presença de elementos da tricotomia de Peirce a natureza narrativa, concernente ao cinema; e a natureza discursiva, correspondente à publicidade. Ele traria em si os elementos não da realidade de um filme, mas sim de elementos que trariam promessa da realidade de um. (Luva , 2010, apud da Silva, Moisés et al, 2019).

Todo o esforço para o desenvolvimento do discurso e argumentação vem da relação harmônica presente nos planos e ações narradas através das imagens e ações que promovem uma narrativa. O trailer em si tem uma narrativa espacial e os seus eventos contidos dispõem de planos e ações não ligadas, que apresentam não ter uma conexão, fazendo a mesma está  em oculto a trama maior.

O aspecto semiótico do símbolo do conteúdo cinematográfico dos trailers pelo seu potencial de causar a formulação de um aprendizado. A própria organização dos eventos e elementos icônicos e de índices permite essa associação para produzir na mente do espectador a compreensão e formulação dos símbolos, onde estes dependerão da cultura própria de cada espectador.

Já sobre os cartazes, estes têm uma participação no processo e construção da publicidade cinematográfica. Atualmente eles são reflexos do aperfeiçoamento das tecnologias da área gráfica e de comunicação. São capazes de realizar uma linguagem icônica e comunicar. Os próprios têm características icônicas e indiciais. Possui uma linguagem híbrida na construção da imagem que vai além dos aspetos verbais e não-verbais apresentado a possibilidade de fusão de imagens e elementos icônicos o que é próprio da semiótica (Guimarães, 2010).

O seu valor persuasivo no processo de tornar atrativo a série a que se pretende atrair tornando-o uma ferramenta indispensável. No segmento cinematográfico, os cartazes possuem os elementos básicos de composição, com presença de texto, imagens das personagens, entre outros. Segundo Santaella (1990, citada em da Silva, Moisés et al, 2019), o cartaz em si é considerado um hipo-ícone por ser resultado de produção tecnologia como, por exemplo, a fotografia. No cartaz para cinema, o aspecto semítico de índice se apresenta na indicação do nome do filme, sendo este comparado a logomarca de um produto.

Divulgação da série

Devido à população de novelas, séries, filmes e outros programas de TV em plataformas de serviço por streaming como a Netflix e a Amazon, o conteúdo audiovisual está cada vez mais ao alcance das pessoas. Os diferentes conteúdos são consumidos de forma simples e no momento do qual o espectador considera mais adequado.

A Netflix é a empresa de streaming de vídeos com o maior número de países atingidos. O catálogo da Netflix encontra-se disponível para 190 países. A Netflix não só disponibiliza, como também produz filmes e séries de diversos gêneros. Sendo o maior nome, atualmente, a plataforma observou a necessidade de está atualizada e tende a abraçar discussões sociais como forma de abraçar um maior número de público.

Visando essas pautas sociais, o streaming aumentou consideravelmente, nos últimos anos, o número de personagens gays, lésbicas ou transexuais. No entanto, essa representação nem sempre traz orgulho para quem faz parte da comunidade LGBTQ+, por serem frequentemente personagens estereotipados, utilizados como alívio cômico ou engolidos pela heteronormatividade presente na sociedade. Porém a má-representatividade não é regra absoluta: com o advento dos streamings, podemos ver cada vez mais produções inserindo personagens queer, incluindo sucessos da Netflix como Heartstopper, Sex Education, Eu Nunca e, nosso principal objeto de análise, Young Royals. Ainda que o cinema esteja percorrendo um grande caminho na pauta de representatividade LGBTQ+, desde que o primeiro filme do gênero, chamado Diferente dos outros, foi lançado em 1919, podemos ver cada vez mais que, dentro e fora das telas, pessoas LGBTQ+ existem e são plurais.

A partir disso, nossos objetos de análise são o trailer e dois pôsteres que fazem parte da promoção e divulgação da primeira temporada da série de temática gay da Netflix, Young Royal. Podemos pensar o próprio formato trailer como um signo, ao observá-lo podemos considerá-lo como pequeno produto audiovisual formado por enxertos de uma produção audiovisual maior. Tem por objetivo anunciar e promover,  normalmente, filmes ou séries. Esse formato tende a construir sentidos a partir de ícones, índices e símbolos para convencer e instigar quem assiste, neste aspeto, conta uma breve história sem, necessariamente, um fim. Costuma vir acompanhado de músicas, diálogos cortados e imagens rápidas; pode trazer datas e local da estreia do produto maior e deve passar sucintamente o que podemos esperar do filme ou série.

Já os pôsteres podem ser vistos como índices, uma vez que ocorrem de serem fotografias ou imagens que representam a realidade do que está sendo divulgado. Pensando neles como nosso objeto, são usados como publicidade. Este ramo tende a escolher minuciosamente seus ícones, como cores e texturas, para gerarem algum sentido de consumo. Por exemplo, o poster de Wandinha, série da Netflix de 2022, além de vir com uma imagem (índice) da protagonista, se apresenta com cores escuras como preto e roxo, pois são as cores que a própria Wandinha usa, tal qual a textura de chuva nos remete ao seu humor.  Esse sentido é construído apenas por já conhecermos a personagem de outros filmes e séries. Neste aspeto os posters devem reunir signos que  geram sentido e representam, no nosso caso, a série. Assim como apresentam o nome da série com cores e fontes de letras que serão suas logo.

Young Royals – Um jovem príncipe e um grande dilema: amor ou dever?

No universo cinematográfico, as séries são resultados de diversas doutrinas ou teorias capazes de comunicar ao público seu sentido original. Ele pode ser visto como uma produção formada a partir da sinergia de conteúdos diversos com o propósito de transmitir um sentido semiótico. Considerando isto, buscamos analisar a série sueca Young Royals, investigando seus dois posters e seu trailer com base nas tricotomias peirceanas, a fim de explicar como estes elementos resumem a narrativa da série e a promovem.

Com estreia no dia 1 de junho de 2021, Young Royals é uma série de origem sueca distribuída pela Netflix. Dirigida por Rojda Sekersöz e Erika Calmeyer e escrita por Lisa Ambjörn, a série narra a história ficcional do príncipe Wilhelm da Suécia, o segundo na linha de sucessão para a coroa. Centrada na vida dos jovens da elite sueca, a trama se inicia quando o príncipe, após um escândalo quando um vídeo seu envolvido em uma briga de festa é vazado, colocando em risco a imagem da família real. Wilhelm é levado então para se mudar para Hillserka, um internato de prestígio no país, onde a família real acredita que ele estará afastado da possibilidade de se envolver em novos escândalos.

Ainda que parte da família real, Wilhelm só passa a sentir o peso de seu título cair sobre seus ombros quando Erik, seu irmão mais velho e até então príncipe herdeiro, morre em um acidente de carro, tornando Wilhelm o novo herdeiro da coroa. Ainda assim, o título de Wilhelm não é a única coisa em evidência em sua vida ou na trama de Young Royals: ao entrar em Hillserka, o príncipe questiona sua sexualidade ao conhecer Simon, um bolsista da escola que vem de uma família pobre e não lida com os privilégios e deveres que cabem aos membros da elite sueca.

Simon se mostra para Wilhelm como um contraponto entre sua vida pessoal e juventude e as responsabilidades advindas da coroa. Lidando com o trauma da morte de seu irmão, Wilhelm descobre que sua vida amorosa também está dentro das responsabilidades da família real, e mesmo sendo parte de um país onde relações homossexuais são legalizadas desde 1944, se relacionar com outro garoto lhe é apresentado como um possível problema para seu cargo.

Todas essas questões pertinentes à juventude e realeza são envoltas no enredo da série, que narra essencialmente a vida dos jovens estudantes de Hillserka, ainda que Wilhelm seja o foco principal. Young Royals é uma série sobre adolescentes e suas questões, contextualizada numa realidade praticamente inalcançável para a maioria dos espectadores, e para o próprio personagem de Simon.

Considerando todos os elementos apresentados ao longo dos seis episódios da primeira temporada de Young Royals, analisaremos como eles foram representados semioticamente nos cartazes e no trailer de divulgação.

Trailer

Tendo estabelecido a primeira tricotomia de Peirce de signo-objeto (ícone, índice e símbolo), podemos usá-la como base para revisar o trailer, possibilitando então uma análise mais aprofundada utilizando de outras tricotomias peirceanas, usando como parâmetro desta relação de signo-objeto o trailer e a série.

Para analisar o trailer de promoção da série, é possível segmentá-lo de maneiras que permitem diversas abordagens diferentes: a sonorização, as cenas e os trechos escritos, que se interligam para a produção de símbolos diferentes. Tendo em conta o campo icônico, vamos manter estas três segmentações para a análise, avançando com estas para o campo indicial e o simbólico.

Os elementos visuais de destaque, já no início do trailer, se encaixam na divisão feita previamente, quando apresentamos a série: o contraponto entre a juventude e a realeza, que, posteriormente, se desenvolvem entre o amor e o dever. O trailer se inicia em uma festa, com música alta e luz artificial esverdeada, a cena se encerra quando Wilhelm entra em uma briga. Então, seguimos para a exibição da família real da Suécia, tendo como sonorização uma mulher afirmando que Wilhelm representa a família real e o povo sueco. No entanto, apenas a combinação de todos os elementos em disposição nos permitem tal conclusão: uma sala com adornos dourados de decoração, grandes jarros de flores, pessoas vestidas com roupas formais e, ao que parece, seguranças. Os elementos por si são indiciais; o visual nos remete ao luxo, mas, combinado com a sonorização, sabemos que esta é a família real.

Ao longo do trailer, estes contrapontos frequentemente voltam como um recurso. Quanto à sonorização, há uma transição evidente musical: em cenas voltadas para a escola, a família real e a elite sueca, a música se apresenta em um instrumental crescente que, quando o trailer se volta para as cenas dos estudantes e das suas vidas e questões da juventude, transiciona para a música Hits Different, da cantora norueguesa Astrid S, criando mais uma vez a ambivalência que compõe o enredo da série.

Voltando para o campo visual, dicotomias são a engrenagem principal do trailer, mas ainda assim é inserido nele, em texto escrito, as principais questões que compõem o enredo. A primeira palavra apresentada é o dever:

A seguir, o próprio dever é associado à imagem de um funeral, que por si poderia ser apresentado de acordo com a tricotomia peirceana, mas dentro do trailer ele é um índice, por toda sua construção visual, como o caixão, a igreja, o público de preto, e um símbolo, uma vez que a morte que nos é apresentada, no enredo da série, é a morte de Erik, o irmão de Wilhelm e até então príncipe herdeiro. É com a morte de Erik que o dever de herdar o trono passa a ser de Wilhelm, e é esta simbologia é visualmente retratada no trailer. Outras imagens são apresentadas, intercaladas com cenas simbólicas que as representam.

Retornando aos elementos visuais anteriores do trailer, podemos também mencionar o uso das cores como símbolos. Retomaremos as cores como parâmetro na análise dos posters de divulgação, mas Simon é associado à cor roxa diversas vezes no trailer e na série. Ainda que a cor roxa seja frequentemente associada à nobreza, em Young Royals ela pertence a Simon, a antítese da realeza e do dever, o amor de Wilhelm. Ainda no trailer, mesmo anteriormente somos induzidos a associar Simon e a cor roxa.

Ainda no campo visual, ainda mais ambivalências são criadas, sejam elas com cores ou cenas. A modernidade e a tradição se apresentam como opostos desde o princípio, com o tradicionalismo da escola e a efervescência da juventude representada por festas e cores neon, cenas de eventos tradicionais e a inclusão de atividades modernas como trocas de mensagens e a presença de telemóveis. Bem como na série, o trailer é todo sobre apresentar os dois extremos da narrativa. Se retomarmos as cores, podemos ver isto ao observar as cenas de Wilhelm sozinho, deitado no chão. Iconicamente, a imagem de um jovem deitado no chão não passa de sua descrição; quando combinamos tudo apresentado até então, precisamos considerar outros elementos: o azul frio da cena, o fato de estar sozinho. Wilhelm se apresenta numa imagem triste, monocromática.

Seu contraponto, são suas cenas com Simon, ora cheias de cores e vivacidade, ora apresentadas em um tom de laranja forte e intenso; vivo, diferente do azul monocromático de suas cenas sozinho. Quando com Simon, a presença de uma só cor não traz mais frieza e melancolia, mas vivacidade.

Encerrando o trailer, o telespectador é colocado diante de uma porta aberta, com os estudantes de Hillserka sentados, uniformizados, sendo fotografados. É aqui que somos convidados a adentrar o universo de Young Royals, a cruzar para o outro lado da porta.

Pôster do amor

Como abordado anteriormente, um ícone usa forma, cor, som, textura e outros elementos gráficos para criar uma conexão evidente entre imagem e ideia. É um signo que renuncia a existência de um objeto, pois ele pode significar o objeto. É essencial destacar que Peirce classificou os fenômenos em três categorias, que se referem às fases operativas do processo de percepção de todos os signos. São elas: primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade é a que está ligada ao ícone. Conforme sugere a palavra, é o que ocorre primeiro à mente. É o sentir a percepção primária, na qual o signo é percebido por meio dos elementos que causam a sensação, a emoção, o sentimento.

Ao analisar o pôster da série, conseguimos perceber características presentes  a fim de construir sua identidade e evidenciar o que ela quer passar para os seus telespectadores.

A cor de fundo estampada pelo azul pode significar tranquilidade, sonho, céu, mas dentro do universo queer, também se faz presente na bandeira Gay.

Já a cor lilás presente no título do pôster associada ao sombreado remete a um mistério, algo secreto. De acordo com Stamato, Staffa e Von Zeidler (2013) o roxo também é uma cor ligada à homosexualidade, ao mesmo tempo que os autores relatam que a o roxo se relaciona a pessoas com mais de 60 anos, logo podemos analisá-la associada a tradição e observar sua frequente associação a realeza. Os tons arroxeados e lilás estão presentes nas imagens de divulgação da série, bem como frequentes no figurino de Simon, que é justamente a antítese da realeza. Enquanto o rosado das letras Young Royals nos remete a infância, juventude e romance, como observamos na tabela 1. Juntos, esses elementos formam uma tríade icônica  que visa dar o primeiro impacto ao observador. Este impacto inicial gera ao mesmo tempo um suspense e uma vontade inconsciente de descobrir os outros elementos gráficos da imagem, atraindo a atenção de quem vê.

Já no campo indicial, podemos observar que o índice deste poster pode ser considerado o movimento  evidenciado no momento da captura da imagem. Os personagens estão em uma posição que prevê um beijo, o que configura um signo de secundidade. Pois, é o segundo elemento a ser percebido e a partir dele consegue-se antever o clímax da figura. A posição da mão esquerda do personagem à direita do cartaz é clássica e característica de um determinado ato, o beijo. Esse é associado a afeto, carinho, só beijamos quem nos é próximo; sendo uma intenção de beijo na boca, rapidamente renega a fraternidade e nos leva a pensar em algo sexual e\ou amoroso. Sendo assim, o espectador consegue, a partir do índice, imaginar que se trata de uma série do gênero romance.

Por fim, o símbolo é o ponto final de ligação da tríade dos signos, é o laço que amarra as ideias. No cartaz acima, o símbolo pode ser definido pelos dois homens presentes no centro da imagem. Se a secundidade do índice propõe que a série se trata de um romance, é a terceridade do símbolo que determina que se trata de romance homossexual, visto que são dois rapazes na iminência de um beijo. O simbolismo que emana do pôster é capaz de chocar e confortar dependendo de quem vê, e essa é uma característica de um símbolo. Ele pode não agradar, mas não é possível ser inerente à sua presença, um símbolo é, acima de tudo, impossível de ser ignorado.

Pôster do dever

É no pôster do dever que podemos aprofundar nossa análise, combinando com elementos da série. Iconicamente, a construção das duas imagens é semelhante, talvez ousando chamá-las de iguais. A coloração, os aspetos principais se mantêm os mesmos. Há aqui, no entanto, a substituição de Simon pela coroa, e é neste ponto em que os dois pôsters se misturam simbolicamente entre si e a série.

Focando na coroa, signo que diferencia os posters e nos traz sentidos completamente distintos, reparamos na sua textura, ela parece ser metálica, seu tom dourado e as formas aparentes nos faz constatar que ela pode ser feita de ouro e pedras preciosas, nos remetendo a riqueza material e poder. Características que se confirmam quando analisamos  a imagem da coroa em si, uma vez que é, indicialmente, associada à realeza; um rei ou uma rainha. A coroa, como um objeto inanimado de ouro, é frio e pesado.

O mesmo índice de beijo do poster do amor, agora se apresenta com características distintas. O beijo associado a afeto e proximidade, quando praticado com um objeto e não uma pessoa, nos remete a valorização da riqueza material. O beijo aqui já não nos simboliza romance, mas sim o desejo de alcançar um cargo, de cumprir o dever, de ser rei, um papel de muito poder e peso político.

Mas, tendo como parâmetro a análise anterior, de Wilhelm beijando Simon, podemos assumir uma relação entre Wilhelm e a coroa a partir da posição que prevê o beijo. Wilhelm está prestes a beijar a coroa ou a beijar Simon, pois os dois elementos não se encontram simultaneamente presentes. É aqui que aplicamos a ideia do “amor ou dever?”,  proposta pela série, podendo encarar isto através dos símbolos: não estamos mais vendo esta imagem com um primeiro contato ou sem parâmetros prévios. Mesmo sem assistir a série, é possível compreender, ao observar as duas imagens, que Wilhelm se relaciona separadamente com a coroa e o que ela representa, sendo a realeza, ou com Simon. Comparando estes posters com a série, sabemos que esta também é uma escolha explícita que deve ser feita por Wilhelm no final da primeira temporada: ele deve escolher entre cumprir o seu dever como príncipe herdeiro ou ceder à sua paixão por Simon.

Conclusões

Young Royals tem contribuído para representação e visibilidade de adolescentes queer no mundo dos seriados. A partir da compreensão dos elementos, ícone, índice e símbolo próprios da tricotomia de Pierce, foi possível a identificação dos aspectos da semiótica no trailer e nos posters da série. Desta forma, percebemos como as categorias propostas por Peirce são interligadas, fato que torna a análise do processo comunicacional ainda mais complexa.

A campanha de peças gráficas leva o público a se envolver ao focar em figuras de representação, no trailer, as cenas, a sonorização e textos escritos se interligam e compõem um conjunto de elementos para a promoção da publicação audiovisual do seriado. A sonorização contribui ainda mais para a dicotomia da série ao utilizar música clássica nas cenas que se passam na corte sueca e música pop nas cenas dos jovens.

Os posters estabelecem uma conexão entre a dualidade do amor e o dever. A suavidade das cores, como o azul de fundo, e a delicadeza da cor roxa, além da troca da figura de Simon pela Coroa, explicitam o dilema central da série. Dessa forma, os cartazes despertam curiosidade no público, através de um mistério romântico neomoderno que inclui temáticas sociais atuais e bastante populares, principalmente no público jovem.

A análise semiótica torna-se um exercício importante para entender todo o processo e ampliar a compreensão do por que a imagem foi trabalhada daquela forma, quais signos o autor teve o intuito de deixar claro e quais interpretações foram geradas. Pois, através das tricotomias elaboradas por Pierce, significados são dados a cada ação, padrões, cores e vestimentas, dando sentido ao que se vê e interpreta.

Referências

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da Silva, M. M. M. U., Araújo, T. A. D. S. C., de Lima Neto, W. F., & de Kássia Araújo, R. (2019). Aspectos da semiótica na construção da publicidade cinematografica: análise de trailer e cartaz da trilogia Matrix. Facit Business and Technology Journal, 1(11).

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Santaella, L. (2002). Semiótica Aplicada.

Stamato, A. B. T, Staffa, G. & Von Zeidler, J. P. (2013). A Influência das Cores na Construção Audiovisual. Disponível em: www.portalintercom.org.br/anais/sudeste2013/resumos/R38-1304-1.pdf

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