Observatório da Qualidade no Audiovisual

Dona de Mim

  • Artista: Iza
  • Álbum: Dona de Mim
  • Data de lançamento: 2018
  • Gênero: Pop
  • Categorias: Indústria e Narrativa/Performance 

Por Daiana Sigiliano

Iza, um dos maiores nomes do pop contemporâneo no cenário nacional, é cantora, compositora, apresentadora. Lançado em 2018, o seu primeiro álbum, Dona de Mim, concorreu ao Grammy Latino, na categoria Grammy Latino de Melhor Álbum Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa. De acordo com a cantora, em entrevista, ao jornal O Tempo “Esse nome (“Dona de Mim”) remete muito ao autoconhecimento, e é exatamente isso que eu quero passar. Todas as minhas músicas, falando de paixão, de amor e de união, corroboram com esse título e confirmam que eu sou realmente dona de mim”.

Bem recebido pela crítica especializada o Dona de Mim é composto por diversos gêneros e referências como, por exemplo, o reggae fusion, acid jazz e afrobeat. A diversidade de influências também está presente nas colaborações que a artista fez com os músicos Carlinhos Brown, Gloria Groove, Ivete Sangalo, Marcelo Falcão, Rincon Sapiência, Ruxell e Thiaguinho.

Lançado em setembro de 2018, o videoclipe Dona de Mim é dirigido por Felipe Sassi. Felipe é um nome expoente no cenário musical e já trabalhou com Gloria Groove, Lia Clark, Duda Beat e Ludmilla. Segundo o diretor, o audiovisual é um espaço importante de reflexão, “[…] “Já neguei trabalhos por não compactuar com a postura e ideais daquele artista. Luto muito pelo social e o dinheiro não é o que me move. Para mim, o audiovisual é a nossa oportunidade de aproveitar o espaço que temos e nos expressarmos com a nossa verdade”.

Em Dona de Mim, Iza fala sobre o empoderamento, principalmente a partir da relação de interseccionalidade entre raça e gênero (LIMA, 2018). Como iremos detalhar ao longo desta análise, o tema é discutido de forma plural por meio de três personagens, inspiradas em mulheres reais. O videoclipe também conta com mini doc, lançado em novembro de 2018, que aprofunda as discussões propostas por Iza.

Dona de Mim é ambientado em diversos lugares, são eles: uma sala de aula, a cozinha de uma casa, um tribunal e uma igreja. Cada um está diretamente relacionando com o tema e as personagens do videoclipe. Na sala de aula somo apresentados a personagem vivida por Josi Lima, que é professora da rede pública de São Paulo na vida real, o cenário é usado para abordar questões como a educação pública, a docência e a violência enfrenta pelas escolas na periferia. Na cozinha temos a personagem vivida por Bia Sabia, enquanto segura o filho nos braços, a mãe se desdobra com as tarefas de casa. No tribunal temos uma advogada representada por Marcella Maia, o ambiente composto por homens brancos e apenas duas mulheres reflete o machismo presente na sociedade. E a igreja reflete, que reúne todas as personagens, a cantora Iza e um coral, a união de todos em prol de bem comum. Nesse contexto, as ambientações são fundamentais para a construção de sentido de Dona de Mim, que ressalta histórias plurais, mas que perpassam o empoderamento feminino e a negritude.

Os efeitos sonoros são compostos, em sua maioria, pela música Dona de Mim. Em apenas dois momentos a canção é interrompida: na sequência da sala de aula, quando ouviu barulhos de tiro e no final, quando o coral de igreja canta acapella. Os recursos tem a função de reforçar momentos específicos do vídeo. De acordo com Lima (2018) os trechos de de Dona de Mim, “me perdi pelo caminho, mas não paro não”, “sei do meu valor”, e “Sempre fiquei quieta, agora vou falar/Se você tem boca, aprende a usar” estão relacionados a existência da mulher negra e refletem pontos como valor e a reafirmação.

A edição do videoclipe é linear e apesar de mostrar diferentes ambientações, contextos e personagens segue uma sequência lógica dos acontecimentos. No tribunal, por exemplo, vemos o desdobramento do julgamento, na sala de aula, a professora é interrompida por barulhos de tiro e no final do clipe todas as personagens estão reunidas na igreja. Dessa forma, observamos um desdobramento, como se ações apresentadas evoluíssem de certo modo.

Segundo Iza, para gerar empatia e identificação do com público era fundamental que o videoclipe fosse o mais natural possível. Este ponto está sempre tanto na escolha das mulheres que vivem as personagens, na ambientação, já que o vídeo não foi gravado em um estúdio, e na fotografia. O tom naturalista, faz com que o recurso não se sobressaia ou destaque alguma cor ou tom, se pautando apenas no jogo de luz e sombra que representa “o mundo real”.

Meses após o lançamento do videoclipe, Iza divulgou em seu canal no YouTube o mini documentário Mulheres Que Inspiram. O vídeo aprofunda diversos pontos do clipe, como as personagens, as histórias reais de cada mulher que participou e também o tema. Segundo Iza, ela quer que “[…] todas as mulheres se sintam empoderadas e confiantes o suficiente para serem o que elas quiserem e não aquilo que dizem para ela ser”. Nesse contexto, a partir de âmbitos distintos Dona de Mim fala do empoderamento e da negritude a partir da história das três personagens e da própria cantora.

Assim como em outros trabalhos do diretor Felipe Sassi, o videoclipe é composto por várias intertextualidades (MEDEIROS, 2019). A boina usada por Iza na sequência do tribunal faz alusão ao movimento Panteras Negras. No quadro em que a professora dá aula, podemos observar referências a Quilombo dos Palmares, algumas peças do figurino da cantora também apresentam os trechos da canção Dona de Mim. Alguns detalhes da composição imagética  reforçam a crítica feita no clipe com, por exemplo, o júri ser composto apenas por homens brancos e o uniforme militar que Iza usa durante o tiroteio na escola. Dessa forma, a intertextualidade tanto aprofunda a discussão proposta pela artista e quando amplia, ao inserir novas camadas interpretativas.

De acordo com Lima (2018, Online), “A cantora traça um processo de autoconhecimento e tomada de consciência de identidade, que a fazem por fim atingir uma situação de conforto na pele que habita, mesmo com as complexidades e ambiguidades que compreendem a existência de uma mulher negra. Sua experiência no clipe não é tomada como única, IZA fala de um “eu” ao mesmo tempo em que individualiza circunstâncias distintas, percorrendo diferentes contextos”. Com base no que foi pontuado pela autora, podemos observar que Dona de Mim se opõe aos estereótipos e arquétipos que geralmente são delegados as mulheres negras. Ao ser protagonizado por três personagens (quatro se contarmos a cantora), o videoclipe contempla realidades e vivencias distintas, complexificando ainda mais as dificuldades do cotidiano e a realidade das mulheres.

storyline de Dona de Mim abrange a sequência de três personagens: uma mãe jovem que se desdobra nas tarefas domésticas para cuidar do filho, uma advogada que precisar enfrentar o machismo em seu ambiente de trabalho e uma professora que tem a sua aula interrompida por um tiroteio. Os três arcos são alternados por imagens de Iza performando a música, no final a cantora é acompanhada por um coral, numa igreja, e vemos as personagens reunidas.

Segundo Goodwin (1992) e Holzbach (2016) o videoclipe é também um produto sonoro. De acordo com os autores, a narrativa imagética só constrói sentidos em conjunto com a letra e melodia e só pode ser analisada compreendendo os contextos da cultura em que se insere. Neste contexto, a inovação de Dona de Mim está relacionada a discussão social que o clipe propõe, principalmente, ao falar de empoderamento e de negritude a partir de histórias reais. A originalidade e qualidade artista do vídeo também abrangem as camadas interpretativas presentes nas intertextualidades e na composição imagética, no tema, e nas estratégias de lançamento.

Como pontuamos anteriormente, além do clipe, foi produzido um mini documentário, dirigido por Thayna Laduno, que aprofunda e amplia as discussões propostas por Iza. Individualizando cada personagem, a partir de suas lutas e vivências. No dia no lançamento de Dona de Mim, também foi disponibilizado um emoji especial no Twitter, que era desbloqueado a partir do uso de uma hashtag específica. Dessa forma, o videoclipe é desenvolvido considerando as potencialidades do ambiente de convergência.

Referências

GOODWIN, A. Dancing in the distraction factory: music television and popular music. Mineápolis: University of Minnesota, 1992.  


HOLZBACH, A. A invenção do videoclipe: a história por trás da consolidação de um gênero audiovisual. Curitiba: Appris, 2016.

LIMA, E. Dona de mim: pop político, a consciência de negritude e o apoio entre mulheres. Valkirias, Online, 2018. Disponibilizado em: <http://valkirias.com.br/dona-de-mim-pop-politico-a-consciencia-de-negritude-e-o-apoio-entre-mulheres/>. Acesso em: 16 ago. 2020.

MEDEIROS, P. A narrativa intertextual nos videoclipes de Felipe Sassi. MediaBox, Online, 2019. Disponível em: <http://mediabox.observatoriodoaudiovisual.com.br/2019/10/a-narrativa-intertextual-nos.html>. Acesso em: 16 ago. 2020.

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