“O Porta dos Fundos é um coletivo brasileiro de humor criado por cinco amigos que, insatisfeitos com a falta de liberdade criativa da TV brasileira, decidiram montar um canal de esquetes de humor no YouTube”. Assim o Porta dos Fundos se define em seu próprio site, que acumula o sucesso de mais de quatro anos de atuação nas redes, a marca de 2 bilhões de visualizações e mais de 12 milhões de assinantes, tornando-se o maior fenômeno da internet brasileira e um dos maiores canais existentes até hoje, já que é considerado o 5º maior canal de entretenimento do mundo, segundo o site Think With Google.
Os vídeos do Porta dos Fundos seguem a demanda da internet: são curtos, duram entre 2 e 3 minutos, e prendem a atenção da audiência até o fim, pois sempre há uma esquete adicional à história principal com um toque a mais de humor, obtendo “uma retenção média de 70% nos vídeos no canal, taxa considerada bastante alta dentro da plataforma”¹. No geral, os temas variam e não há uma continuidade de assuntos. O canal foi criado em 11 de março de 2012 e lança vídeos novos todas as segundas, quintas e sábados, às 11h.
Atualmente com 593 vídeos publicados, o coletivo hoje é protagonizado por nove humoristas: Antonio Tabet, Fabio Porchat, Gabriel Totoro, Gregório Duvivier, João Vicente de Castro, Karina Ramil, Luis Lobianco, Rafael Portugal e Thati Lopes. Para este estudo, foram selecionados seis esquetes do canal, todos veiculados na segunda quinzena de setembro de 2015. Tais emissões são: Letra, Não olha agora, Discurso, Como foi?, RH bom e RH mau, e Desvio.
No plano da expressão, observamos que câmera, cenário, figurino e maquiagem, atuação do elenco, iluminação e qualidade técnica da imagem têm a mesma qualidade apresentada na televisão. A forma de apresentação estética é tradicional, executada de forma crível, e agradável em planos e enquadramentos, o que torna tais elementos passíveis da observação detalhada dos espectadores devido à boa qualidade técnica.
O ritmo dos vídeos é ideal para prender a atenção do público jovem, com edição rápida e dinâmica. Na vinheta, o áudio é de uma música animada. O quesito grafismo também se destaca, pois o nome de cada vídeo é escrito de forma personalizada, fazendo com que seja facilmente identificado pelo público e referenciado como sendo do coletivo.
O Porta dos Fundos apresenta características da televisão e da internet. Da televisão adaptou o formato de esquete, diminuindo o tempo, diversificando os conteúdos, mas utilizando da TV os planos, os enquadramentos, a estética, a qualidade técnica do som e da imagem, a alta periodicidade e os mesmos horários de postagem para os vídeos novos. Em geral, o recurso da verossimilhança, desde sempre muito utilizado, é visto nos pontos básicos de uma produção audiovisual, como atores, cenário e figurino.
Já da internet, aproveitou a liberdade para explorar questões tabus, inserir críticas a marcas e políticos, e usar uma linguagem mais jovem. A web possibilitou, também, que o grupo fosse mais dinâmico e apresentasse abordagens distintas das usuais, bem como o uso de novas estratégias de divulgação e manutenção do público (como o uso da cena extra e a criação de outros produtos, como, por exemplo, o Porta Afora).
O canal criou um modelo próprio para seus vídeos. Os esquetes têm inícios sem marcas que apontam um princípio da história, que é apresentada de forma natural para que o espectador se sinta mais próximo dela. Isso fica evidente nos esquetes Discurso, Letra e Não olhe agora. O primeiro é uma coletiva de imprensa que começa no meio da fala de uma presidenta, não evidenciando, portanto, maiores informações sobre a trama como, por exemplo, há quanto tempo a coletiva começou. Além da ausência de marcas, os vídeos apresentam as histórias rapidamente, porém concluindo-as e gerando reflexões acerca das críticas ali presentes. Na sequência de cada um deles aparece a vinheta e ao final a cena extra com os créditos e hiperlinks para outros vídeos e inscrição no canal.
No plano do conteúdo, o indicador ampliação do horizonte do público se destaca, recebendo nota muito boa em cinco emissões e nota razoável em uma. Nota-se que o canal busca ampliar as visões de mundo dos seus espectadores, seja usando temas cotidianos ou considerados importantes para a sociedade como, por exemplo, igualdade de gênero, política e corrupção, visto nos vídeos Discurso e Desvio. O canal apresenta, na maioria das vezes, críticas sutis que dependem do repertório do espectador para serem bem compreendidas. Porém, ainda que sutis, são profundas e objetivam a reflexão do público sobre o tema, através da estratégia de diminuir e ridicularizar um assunto, comportamento ou pensamento.
Um exemplo é o vídeo Como foi?, em que duas amigas com experiências diferentes em Nova York se encontram em uma biblioteca e comparam as vivências que tiveram no exterior. É possível perceber a crítica ao fato de que cada vez mais as pessoas tentam se diferenciar e pertencer a um grupo seleto, e mostrar isso como vantagem aos outros.
LUISA: Você foi no Bellis, né?
CINTIA: Bellis?
LUISA: Você não foi no Bellis?
CINTIA: Não.
LUISA: Ahh Cintia, tô até duvidando que tu foi em Nova York.
(Porta dos Fundos – vídeo Como foi? – 24/09/2015)
É possível se atentar para a utilização da sátira para ridicularizar o comportamento de Luisa, representante do estilo hipster (grupo de classe média urbana que coexiste com a cultura mainstream), e assim inserir uma crítica aos costumes dessa tribo. No indicador de qualidade do conteúdo diversidade de sujeitos representados, três emissões receberam nota boa e três receberam nota razoável, mostrando, assim, que o canal tem uma considerável preocupação em representar diferentes sujeitos em um mesmo vídeo. Observando a amostra de seis vídeos, nota-se uma grande diversidade temática, que abarca desde tendências de comportamento e cotidiano, até valores. Além disso, diversos grupos foram representados por meio de personagens de distintas profissões. No entanto, devido ao tempo de exibição, não é possível a abordagem de muitos temas ou um grande número de pontos de vista em um mesmo vídeo, fato que difere os esquetes do YouTube das séries humorísticas da TV, que geralmente têm entre 20 e 40 min de duração.
Outro indicador destaque do plano do conteúdo foi a oportunidade, avaliado quatro vezes como muito bom, uma vez como bom, e uma vez como razoável (por tratar um tema atemporal). No geral, os assuntos abordados são relevantes para agregar algum tipo de valor ao público. Um exemplo que deixa evidente a atualidade e pertinência em abordar o tema é o vídeo Não olhe agora, em que dois homens estão numa boate e enquanto um vê e registra no celular todos os acontecimentos do local, o outro não consegue acompanhar o raciocínio do amigo. Nesse caso, é abordado o exagero do registro de momentos e as vivências que, para alguns, acabam sendo só pelas redes sociais.
O último indicador de qualidade do plano do conteúdo foi a desconstrução de estereótipos, que na amostra aqui analisada foi boa em todas as emissões por ser utilizada não para o reforço de estigmas já enraizados na sociedade, mas justamente o contrário: para fazer as pessoas pensarem e refletirem sobre tais aspectos. Diferente da maioria dos programas de humor que se apoiam e desenvolvem suas histórias a partir da afirmação de estereótipos, o canal busca ser diferente dos demais e explora outros pontos, como o abundante uso da sátira e da paródia para a ridicularização de uma situação, que faz com que as pessoas reflitam sobre o que estão vendo. A exemplo disso temos o vídeo Letra, que trata da caligrafia ilegível dos médicos, com o próprio médico comparando-a com o Código Morse (sistema de códigos composto por letras, números e sinais gráficos).
Abaixo, podemos conferir a tabela dos indicadores de qualidade do plano do conteúdo com a avaliação obtida em cada um deles:
Quanto à análise da mensagem audiovisual, os indicadores diálogo com/entre outras plataformas e solicitação da participação ativa do público se destacam. Ambos são vistos sempre da mesma forma em qualquer esquete. Já que o canal criou um modelo próprio, eles estão presentes no final por meio dos links para outros vídeos e para a inscrição no canal (às vezes, o link da loja do site e do Making Of também aparecem), apoiados pela estratégia da cena extra que prende a atenção do público. Além disso, a solicitação ocorre por meio da linguagem, que é simples, regada a palavrões e adequada ao público alvo do canal.
O indicador clareza da proposta foi avaliado como muito bom em todas as emissões, indicando ser um padrão do canal expor claramente seus objetivos, de modo que o espectador já saiba o que esperar, como a presença de críticas por meio da sátira e da paródia, esquetes curtas sobre diversos temas (sem fuga a assuntos tabus), e verossimilhança que torna a história crível e mais próxima do público. Além disso, o compromisso de lançar vídeos novos três vezes por semana também incrementa esse parâmetro de qualidade.
Outro indicador a ser ressaltado é a originalidade/criatividade, que também foi muito bem pontuada em todos os vídeos analisados. O canal já inovou com a criação do esquete adicional que complementa a história principal, mas foi possível observar que o Porta dos Fundos vai além disso. Devido à liberdade temática, o canal aborda os temas de forma nova e diferenciada, criando analogias não comumente pensadas como, por exemplo, a comparação de uma entrevista de emprego com um interrogatório policial mesclado com a abordagem cinematográfica em que há o policial bom e o mau, vista em RH bom e RH mau.
A seguir, a avaliação que cada indicador obteve na mensagem audiovisual:
Considerações finais
Partindo de uma amostra de seis vídeos aqui analisados, foi possível perceber que o humorístico Porta dos Fundos apresenta uma mistura de características da televisão com a internet, e que essa combinação permite o coletivo ser um produto diferenciado, com temáticas diversas e que dialogam com diferentes públicos.
O indicador de qualidade do plano do conteúdo ampliação do horizonte do público está bastante presente nos trabalhos do coletivo. O canal insere discussões a partir dos assuntos cotidianos, como ir ao médico, ou a uma festa, apontando comportamentos ou ações que prejudicam a sociedade de alguma forma. Porém, como não o faz de forma insistente ou repetitiva, mas com críticas sutis, gera assim a reflexão e o envolvimento do público, fazendo dessa uma característica marcante do Porta dos Fundos.
A criatividade nas escolhas dos temas, das abordagens, nos finais dos vídeos adicionais, e o uso da sátira e da paródia, dão dinamicidade aos vídeos e conferem qualidade ao produto final. A solicitação para a interação do público gera o engajamento dos espectadores, que têm a oportunidade de buscar mais informações sobre os temas atuais para se posicionarem em relação a eles.
Em vista do que foi observado, é possível concluir que o Porta dos Fundos trata de temas pertinentes e diversos, de forma criativa e original, sem a participação direta do público, porém, envolvendo-o por meio do riso ambíguo e apresentando propostas polêmicas e contraditórias, que estimulam o seu pensamento e contribuem para a sua ampliação da visão de mundo. O Porta dos Fundos apresenta, portanto, características de qualidade e pode assim ser considerado, majoritariamente.
Por Monalisa Lima
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