Observatório da Qualidade no Audiovisual

Põe na roda

Põe na Roda é um canal de humor do YouTube criado em 26 de janeiro de 2014 por três amigos que sentiam falta de conteúdos feitos pelo público gay e para o público gay. Com o compromisso de apresentar vídeos novos toda quarta-feira, o canal às vezes também exibe conteúdos aos domingos ou até mais de um no dia, porém sempre às 11h24 (já anunciando seu caráter irreverente, já que 24 é um número estigmatizado como o de gay). Criado e inteiramente produzido por Pedro HMC, Nelson Sheep e Felipe Abe, a escolha dos assuntos que serão tratados no canal não se limita à homossexualidade, pois diversifica bastante ao abordar tudo que é relacionado à diversidade sexual e de gênero, à homofobia e a todo e qualquer tipo de preconceito.

Contando em setembro de 2015 com 299.899 inscritos e 115 vídeos, Põe na Roda traz em seus vídeos não só personagens gays, como também transexuais, lésbicas e vários outros públicos que a sigla LGBT não atinge. Dos nove vídeos publicados no mês de setembro de 2015, cinco foram gravados em estúdio, dois em ambiente externo e dois mesclaram gravações de estúdio e fora dele. O tempo dos conteúdos varia bastante, mas com uma ocorrência maior de vídeos que duram de 6 a 8 minutos, em média. Além da aba “discussão”, o canal apresenta outras plataformas de interação com o visitante, como Facebook, Instagram, Snapchat, Twitter e e-mail, sendo este último o principal meio utilizado pelos idealizadores do canal para atender a pautas, acatar sugestões e responder a perguntas dos espectadores. A maioria das publicações do canal tem excelência em qualidade artística, e o cuidado de sinalizar já no título de determinados vídeos que aquele conteúdo só é recomendado para maiores de 18 anos.

No plano da expressão, é destaque do Põe na Roda a vinheta final, a composição gráfica, os cenários e a linguagem. Na vinheta final, todos os vídeos seguem mais ou menos o mesmo padrão, com um fundo preto sob o logo do canal no centro (em letras de neon rosa e azul) ou o logo na parte de cima da tela e abaixo os créditos em letra branca, ou, ainda, o logo no centro com as opções de clique para outros conteúdos nas laterais. Na composição gráfica, chama atenção as cores contrastantes utilizadas nas publicações, que são claramente identificadas quando na aba “vídeos” aparece, em tamanho menor, a imagem de vários conteúdos e conseguimos visualizar a variedade de cores e as letras estilizadas.

Quanto aos cenários, dos cinco vídeos gravados em estúdio, três deles são da mesma situação, e apresentam, portanto, o mesmo cenário, recorrente e próprio do Põe na Roda, que é o de uma sala com duas poltronas pretas na frente de uma parede branca, e um sofá branco na frente de uma parece azul com prateleiras brancas que sustentam livros, CD’s, porta retratos e enfeites. Quanto ao vocabulário adotado, o canal apresenta uma linguagem informal com gírias e palavrões que, junto com a estética colorida, o cenário descolado e a periodicidade definida, constituem elementos estratégicos para gerar a identificação do público com o canal e sua consequente fidelização.

Ainda na composição gráfica, alguns detalhes padrões caracterizam e dão identidade ao canal, como o logo no canto inferior direito da tela, que está presente em todos os vídeos, as músicas de fundo também comumente ouvidas e a constante inserção de caricaturas, fotos de personalidades, emoticons, toques característicos das redes sociais, e rápidos vídeos de personalidades fazendo algo engraçado ou falando um bordão em qualquer momento do vídeo.

No plano do conteúdo, o indicador de qualidade ampliação do horizonte do público é o segundo mais notório, ficando atrás apenas do critério oportunidade, que teve oito emissões com avaliação muito boa; e uma fraca. Para esse indicador, tomemos como exemplo o vídeo publicado no dia 2 de setembro de 2015, chamado Religiosos x LGBT – ensino de gênero, que além de ampliar o horizonte do público aborda um assunto que estava presente na agenda midiática de todo o país e sendo debatido naquele dia: o da inclusão do debate de gênero no Plano de Educação da cidade de São Paulo que, pelo momento da sua abordagem, portanto, tornou-se muito oportuno.

O segundo indicador mais notório, o ampliação do horizonte do público faz-se muito presente em sete dos nove vídeos analisados pelo Observatório da Qualidade no Audiovisual. A mesma publicação que não utiliza muito o recurso da criatividade não pretende também promover o debate de ideias ou ampliar o horizonte do seu público, mas apenas informar um fato, ou provocar no mesmo o riso despreocupado diante de abordagens rasas e sem profundidade (Bastidores e erros de gravação 16 – Põe na Roda – 13/09/2015, por exemplo). Um dos sete vídeos muito bem avaliados nesse indicador foi publicado dia 25 de setembro, intitulado Namoro gay dura menos?, que objetiva desmitificar a visão que muitas pessoas têm sobre relacionamentos gays, como com relação ao tempo de duração, se realmente é menor e por quê, e se tem diferença entre relacionamentos héteros e homossexuais.

O quesito diversidade de sujeitos representados também foi bastante pontuado, com duas emissões consideradas muito boas; cinco boas; e duas razoáveis. Um dos vídeos avaliado como muito bom para esse indicador, exibido no dia 2 de setembro, é o mesmo que recebeu boa avaliação também no indicador oportunidade, e que anteriormente foi aqui mencionado, intitulado Religiosos x LGBT – ensino de gênero, que traz opiniões divergentes a cerca do ensino de gênero nas escolas de São Paulo, de pessoas de diferentes gêneros, orientações sexuais, posicionamento político, religiões, cores e idades. Outra emissão que recebe destaque é publicada dia 30 de setembro, chamada (+18) Maior feira de fetiche do mundo: Folsom Street, que além de ter diversificado na questão do gênero dos entrevistados, variou também ao ouvir pessoas de diferentes fetiches, países e idades, mostrando um apanhado geral do que foi a feira Folsom Street, de São Francisco: um lugar bem diverso com pessoas de diferentes culturas e pensamentos.

O último indicador de qualidade do plano do conteúdo, desconstrução de estereótipos, não está presente em todas as produções do canal Põe na Roda. Somente em dois episódios ele foi muito identificado: nos exibidos no dia 30 e 09 de setembro. No primeiro, que traz a feira Folsom Street, de São Francisco, o canal mostra as práticas sexuais mais estranhas e diferentes, com o intuito de desconstruir os estigmas e preconceitos que cercam as pessoas que têm fetiches não tão “normais” e desmitificar um pouco essa prática, mostrando que isso pode ser mais comum do que se pensa. No episódio Afeminado (Paródia: Exagerado de Cazuza) – Põe na Roda, o estereótipo esteve presente para desconstruir o lado negativo que muitos homossexuais fazem dos gays afeminados. A todo o momento reafirmando a postura e o modo de ser dos gays afeminados, tão julgado pelos gays “machos”, o vídeo mostra que o jeito de um afeminado é normal e que ele deve ser respeitado da mesma maneira que qualquer outro homossexual, independente da sua postura feminilizada ou não, de modo que jamais se torne motivo de chacota para os machistas e homofóbicos. Confira a tabela com os indicadores de qualidade do plano do conteúdo:

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Na mensagem audiovisual, o indicador de qualidade clareza da proposta foi muito identificado em todas as emissões analisadas, devido ao caráter claro e objetivo que o canal assume desde que foi criado: ser um canal feito por gays, para gays, e para todas as outras orientações sexuais e identidades de gênero que a sigla LGBT não comporta. O episódio do dia 6 de setembro, por exemplo, traz a artista transexual Nany People para responder às perguntas propostas pelo canal, e logo no primeiro momento do vídeo ela já deixa isso bem claro: “Alô Planeta Terra, eu sou Nany People. Estou aqui para responder 24 perguntas dos meus queridos do Põe na Roda. Pode por que eu estou preparada”.

No indicador de qualidade diálogo com/entre plataformas, apenas quatro emissões são muito bem avaliadas, duas consideradas fracas, e nas outras três esse indicador não foi identificado, apesar de trazerem na descrição a menção a outras plataformas e conteúdos do próprio canal. Um dos quatro vídeos muito bem avaliados nesse indicador é o exibido no dia 16 de setembro, intitulado Piores chats no Grindr #3, em que o Põe na Roda, em parceria com a comunidade GayTroller, do Facebook, traz prints de conversas constrangedoras reais que já aconteceram nesses “aplicativos de pegação”, como Grindr, Hornet, Scruff ou Jack’d. Outro exemplo em que o indicador diálogo com/entre plataformas foi identificado está nos vídeos em que o conteúdo é o quadro Ajuda, põe na roda, que aborda temas enviados pelos espectadores através do e-mail do canal.

Tratando-se de originalidade/criatividade, Põe na Roda é um canal destaque. Apenas uma publicação não utiliza o recurso da criatividade, pois quer apenas provocar o riso despreocupado nos espectadores com os bastidores e erros de gravação de exibições anteriores (Bastidores e erros de gravação 16 – Põe na Roda – 13/09/2015). Uma das duas emissões que teve avaliação muito boa é a intitulada Afeminado (Paródia: Exagerado de Cazuza) – Põe na Roda, exibida dia 9 de setembro, que traz uma produção bem feita com ótima participação dos atores, a encenação da paródia de Exagerado, música do cantor Cazuza. Com muita criatividade, a letra original, escrita por Pedro HMC, um dos criadores do canal, é extremamente oportuna e relevante, visto que o preconceito com gays afeminados dentro da comunidade LGBT ainda é algo muito recorrente.

Ainda na mensagem audiovisual, o indicador de qualidade solicitação da participação ativa do púbico é identificado em seis das nove emissões: quatro com avaliação muito boa e uma com avaliação razoável. Das quatro emissões avaliadas como muito boas para esse indicador, três são pelo mesmo motivo: o quadro Ajuda, põe na roda, que em cada vídeo traz as respostas para as dúvidas de um espectador que mandou e-mail para o canal. Primeiramente, com a conversa entre os três convidados e o mediador, que contam suas experiências e opiniões, num momento posterior é ouvida a opinião de um especialista em comportamento humano e sexualidade, o Dr. Cláudio Picazio, que traz a visão médica e científica da situação relatada. Abordando, portanto, um tema inteiramente sugerido pelo espectador, esses vídeos duram em torno de oito minutos e o tempo inteiro se dedicam a solucionar o problema que está em pauta. Abaixo, podemos conferir a tabela com os indicadores de qualidade da mensagem audiovisual, e a avaliação de cada um deles:

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Diante da análise dos parâmetros abordados, entendemos que Põe na Roda é mais um canal com características de humor de qualidade do Brasil. Os modos de representação dos personagens e a experimentação identificada na criatividade com que os temas são abordados contribuem para essa percepção, que se consolida na forma clara e objetiva com que o canal prioriza o pluralismo, a diversidade e a desconstrução de estigmas, tornando possível o debate de ideias e a ampliação do horizonte do público.

 Por Luma Perobeli

Observatório da Qualidade no Audiovisual

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