Observatório da Qualidade no Audiovisual

“TaeKook is real”, a criação de fanfics no Twitter

Hsu Ya Ya

O Twitter é uma rede social criada em 2006 em forma de microblogging que permite os usuários mandarem e receberem textos de até 280 caracteres, conhecidos como tweets; atualmente é possível inserir imagens, vídeos e gifs.

O perfil “bngtnsoul” foi criado em dezembro de 2019, em sua bio na rede social, se apresenta como “fan account”; já no espaço que se refere ao nome da fã, está “Isadora – au’s no fix”, contendo 3.469 seguidores.

No tweet fixado, possui a divisão feita pela fã entre jogos com perguntas aleatórias e três AUs em andamento. A fanficCoffe House” é sinalizada com “TK AU! NSFW”, sendo a sigla TK a junção do nome TaeHyung e JungKook, NSFW uma abreviação da frase em inglês Not Safe For Work, um termo utilizado como gíria na internet para categorizar os conteúdos que são considerados inapropriados para o ambiente de trabalho por conter pornografia, violência, nudez, entre outros.

Figura 1: Tweet fixado e Fanfic Coffe House

Publicada em 2 de janeiro de 2020, a fanfic “Coffe House” possui 15 capítulos, faltando poucos capítulos para ser finalizada. A sinopse apresenta os dois protagonistas da trama, como descrito pela fã no microblogging “Taehyung é um escritor anônimo e carrega uma secreta paixão pelo garçom do “Coffe House Majestic“” e “Jungkook é fã do escritor Taekim (pseudônimo de TaeHyung), sem imaginar que é ele a inspiração por trás de todas as histórias que lê, inclusive as mais eróticas e libidinosas”.

A capa é composta por imagens dos personagens principais, acompanhado de uma imagem que representa o ambiente de trabalho do JungKook, assim como outra que situa a mesa composta por um laptop e um café que TaeHyung utiliza. Pelo fato do Twitter não ser uma plataforma voltada para publicação de narrativas de fanfics como, por exemplo,  Nyah! Fanfiction, Fanfics Brasil, Fanfic Obsession, Spirit Fanfics e Wattpad, a fã usa as primeiras sequências do tweet para dar alguns avisos sobre o AU. A informação ressaltam que a trama “não condiz com a realidade e não tem intenção de ofender ninguém”, também observamos um aviso de conteúdo para maiores de 18 anos sinalizado com o emoji 🔞, e a relação de horário, data e cores de cabelos dos personagens são “irrelevantes”.

Figura 2: Introdução da fanfic e sinalização do conteúdo +18.

Além disso, a Isadora introduz a narrativa através de minibiografias sobre cada personagem da fanfic, utilizando e fotos e imagens dos perfis falsos nas redes sociais como Instagram e o próprio Twitter, trazendo verossimilhança ao universo proposto.  A trama de “Coffe Shop” tem como ponto de partida o diálogo entre os personagens no WhatsApp, que compõe boa parte da história, sendo intercalada com o uso de imagens de tweets e trechos da narradora. Dessa forma, ao trocar mensagens no WhatsApp e usar o microblogging os personagens apresentam hábitos semelhantes ao público alvo da trama.

O entendimento da importância dos aspectos técnicos-expressivos na produção criativa de fãs, está relacionado com a dimensão estética da competência midiática (FERRÉS; PISCITELLI, 2015, p. 14-15), a fã produz mensagens que sejam compreensíveis a partir da apropriação e transformação de produtos artísticos, potencializando a criatividade, inovação, experimentação e sensibilidade estética. 

A prática da narrativa desenvolvida por fãs já se configura na dimensão linguagem proposta por Ferrés e Pisticelli (2015, p. 9), ao que se refere a capacidade de interpretar, avaliar, analisar, se expressar e modificar os conteúdos existentes, criando novos significados. Como é o caso da remixagem que compõe a fanfic, além das referências intertextuais. Tais como o TaeHyung e sua ligação com o universo da fanfiction, assim como o uso de outro elemento como uma carta escrita pelo JungKook na vida real e foi adaptada para o enredo, o uso de memes em diversas situações e a menção de produções canônicas como “Cinquenta tons de cinza” e “10 Coisas que eu odeio em você”.

Figura 3: Referência de uma carta real, a cultura do cancelamento e o uso do meme, a citação de produções canônicas.

“Coffe Shop” é definido como o gênero slash, “definido como romance homoerótico, normalmente entre personagens canonicamente pintados como héteros” (JAMISON, 2017, p. 94), derrubando os limites das regras e tabus através do shipp entre todos os personagens retratados como gays e bissexuais. Nesse contexto, ao “elaborar produtos e modificar os existentes para questionar valores ou estereótipos” (FERRES; PISCITELLI, 2015, p. 14) o conteúdo estabelece um nítido diálogo com a dimensão ideologia e valores.

A Isadora aproveita o espaço da narrativa ficcional para levantar questionamentos acerca do relacionamento homoafetivo, assim como as relações familiares e a não aceitação, já que a sociedade patriarcal exige que um homem precisa dar sequência a linhagem da família, como mostra o diálogo do JungKook com a sua mãe. “Você precisa se colocar no seu lugar, arrumar uma família decente, casa, ter filhos, esse é o ciclo natural da vida”. Além disso, a fã também aponta que o preconceito pode estar em qualquer lugar, já que o mesmo fora demitido do trabalho quando o chefe descobriu sobre sua orientação sexual e o demitiu porque “não aceitaria homossexual trabalhando lá”.

Figura 4: Trechos da fanfic que abordam questões sobre homossexualidade.

Podemos observar também que o Twitter contribui para o senso de coletividade entre a fã-escritora e os fãs-leitores, visto que há maior interação e troca de opiniões sobre o desenvolvimento da fanfic. Um exemplo claro é o uso da enquete disponível na rede social que permite o usuário abrir uma votação para os seus seguidores. No perfil a fã perguntou qual a preferência dos interagentes em relação ao shipp que envolve os personagens Jimin e Hoseok (JiHope) ou Yoongi e Hoseok (Sope), levando em conta que 52% optou pelo primeiro casal, a trama seguiu conforme essa preferência.

Figura 5: Enquete e capa feita por uma interagente.

Apesar do Twitter não ser uma plataforma voltada para a publicação de fanfics, é notável a capacidade da fã no que se refere as dimensões linguagem, estética e ideologia e valores da competência midiática para a postagem da narrativa. Além disso, a fã explora a multimodalidade do microblogging ao incorporar diversos formatos e linguagens ao longo dos capítulos. 

Referências:

FERRÉS, J.; PISCITELLI, A. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. In Lumina, Juiz de Fora, v. 9, n. 1, p.1-16, jun. 2015. Disponível em: <https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/436>. Acesso em: 17 jun. 2020.

JAMISON, A. Fic: porque a fanfiction está dominando o mundo. São Paulo: Rocco, 2017.

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