Por Hsu Ya Ya
Alice in Borderland (今際の国のアリス Imawa no Kuni no Arisu) é um dorama/série de live action baseado no mangá homônimo, escrito e ilustrado por Haro Aso, com 18 volumes publicados entre os anos 2011 a 2016, além da adaptação para o anime com três episódios. O j-drama estreou em dezembro de 2020 em 190 países através da plataforma de streaming Netflix, com oito episódios na primeira temporada.
A trama começa com três amigos que resolvem tirar o dia para descanso após conflitos pessoais: Arisu (Kento Yamazaki), um jogador de videogame mal visto pela sua família por não se encaixar nos padrões impostos pela sociedade, Chōta (Yūki Morinaga), um técnico de informática religioso, constantemente procurado pela mãe pedindo por dinheiro, e Karube (Keita Machida), que trabalha como barman e se envolve com a esposa do seu chefe, sendo descoberto por este. Assim que os amigos se encontram começa uma série de brincadeiras; Karube coloca o Arisu no seu cangote no Shibuya Crossing de Tóquio e começa a rodopiar, até que o sinal de pedestres se fecha, ocasionando um caos no trânsito e, consequentemente, chamando a atenção dos policiais. No intuito de fugir da perseguição, eles se escondem em uma cabine do banheiro público dentro da estação de metrô, até que as luzes se apagam, despertando a curiosidade deles, que rumam para fora da estação e se deparam com uma realidade distópica em que precisam participar de jogos para adquirirem um “visto” para continuarem vivos nesse mundo.
O plano da expressão procura analisar os produtos através dos seus recursos técnico-expressivos como o áudio, o vídeo, a edição e o grafismo; e a produção de sentido gerado por esses elementos, percebidos através dos códigos visuais (planos e enquadramentos, iluminação e cenário, atuação do elenco, figurinos e maquiagem, e qualidade técnica da imagem); os códigos sonoros (tipo de áudio e qualidade técnica do áudio); e os códigos sintáticos (edição e ritmo) e gráficos (vinhetas e grafismos). Em relação aos códigos visuais, o dorama tem como cenário de fundo Tóquio, sendo muitas cenas retomadas no Shibuya Crossing, fazendo alusão ao espaço antes movimentado, em contraposição com o cenário vazio.
A composição dos personagens ocorre de maneira individual como, por exemplo, o Arisu, que estava em casa jogando momentos antes do encontro com os amigos, é caracterizado por cabelo desarrumado, uma camiseta, uma bermuda e chinelo; o Chōta com a vestimenta social, como aqueles que trabalham em empresas, e a Usagi (Tao Tsuchiya) uma alpinista com vestimentas esportivas. Cada personagem dentro do drama de TV tem uma característica de vestimenta que se associa facilmente à profissão ou vivência de cada. Vale pontuar que o surgimento da “Praia” redefine o código de vestimenta dos personagens que se encontram no local.
A fotografia é trabalhada constantemente com cores frias, salvo os momentos que antecedem a inserção dos personagens nos jogos, ou seja, quando a trama se passa na realidade dos personagens, é trabalhada as cores quentes que remetem à vida cotidiana, enquanto na transposição dos personagens para uma Tóquio distópica, trabalha-se predominantemente as cores frias, como um local sem vida, além das noites escuras que se iniciam o período dos jogos, causando um destaque visual com as luzes que chamam a atenção dos jogadores até a arena e também a “Praia”, um local utópico. Os códigos gráficos iniciais são notados através da troca de mensagens entre os amigos que aparecem na tela, ressaltando a conectividade presente no mundo real, em contrapartida, nota-se apenas os códigos gráficos no período que se inicia um novo jogo, seja para o próprio personagem dentro da narrativa ou para situar o espectador. Além disso, é notado o constante uso do plano geral e close, expressando o tensionamento entre o ambiente e o personagem.
O uso de tais planos também é caracterizado pelos códigos sintáticos presentes na edição, reafirmando o tensionamento dos personagens diante da trama, em conjunto com o uso de planos-sequência como, por exemplo, o uso da cena do Shibuya Crossing de Tóquio repleto de pessoas, em contrapartida a visão de local desabilitado diante dos olhos do Arisu, além dos flashbacks, sempre utilizando esses códigos para mostrar ao espectador a perspectiva do antes e depois.
Já em relação aos códigos sonoros presente no drama, a música presente na vinheta e no decorrer dos episódios são todos compostas por Yutaka Yamada, uma trilha sonora instrumental que remete à músicas de fundo dos jogos de videogame como ocorre na trama de forma não diegética, além dos momentos de silêncio, criando desconforto e tensão para aqueles dentro e fora da tela. A abertura do dorama é composta por um instrumental épico, que remete à ideia de uma grande aventura, que complementa os elementos visuais composta por imagens de Tóquio distópica em cores frias, com destaque predominante da cor vermelha destacada em alguns detalhes do cenário de fundo, assim como nas vogais “a” presentes nos créditos que compõem a produção, destacando a letra que se inicia o nome do j-drama “Alice”, além da cor ser associada às mortes causados dentro do jogo, seja pela cor do sangue ou as luzes dos lasers que matam aqueles que não conseguem renovar o visto.
No plano do conteúdo, o storyline aparenta ser a sobrevivência dos três amigos dentro do universo paralelo de Tóquio em que se encontram, mas ao decorrer dos episódios, nota-se que, para além da sobrevivência, Arisu pretende garantir com firmeza a sua existência no jogo para descobrir quem é o responsável por trás deste. Além disso, surgem diversos personagens que são explorados durante cada episódio através das características do presente e flashbacks que o levaram a agir daquela maneira como, por exemplo, o personagem Chapeleiro, responsável pela “Praia”, um lugar que funciona como a fuga da “realidade”, uma utopia dentro do mundo distópico, onde há festividade regada a bebidas e músicas.
A intertextualidade se encontra presente em vários momentos do drama de TV, com grande referência à obra canônica Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll, como exemplifica o próprio nome do personagem Chapeleiro e o flashback da sua vida passada em que geria uma loja de chapéus, assim como o nome do protagonista Arisu – a forma como os japoneses pronunciam Alice pela peculiaridade fonética da troca do “l” pelo “r”. Há também as referências visuais, com destaque no uso das cartas de baralhos que remetem à Rainha de Copas e a frase “Cortem-lhe a cabeça!” quando ocorre uma insatisfação que reflete na trama de Alice in Boderland e os personagens são mortos através de um laser que atravessa suas cabeças ou a própria explosão deste.
Em relação aos personagens dentro da narrativa, o primeiro episódio apresenta a vida dos três amigos: Arisu um jogador de videogame isolado em seu quarto até a aparição de seu irmão questionando-o sobre as responsabilidades como um dos filhos da família, o dever de encontrar um emprego e o descontentamento do pai diante da situação do filho caçula. O incômodo do Chōta diante do encontro com a mãe, visto que a mesma só o procura quando é para pedir dinheiro para ser utilizado como dote na igreja que ela frequenta por consequência da sua devoção. Já Karube é pego aos beijos com a esposa do dono do bar em que trabalha, ocasionando uma briga física e gerando o encontro dos amigos até o surgimento dos efeitos especiais narrativos, ou seja, quando ocorre uma reviravolta dentro da narrativa não prevista pelo espectador, como é o caso da separação dos três amigos.
Além disso, com o surgimento de novos personagens, é utilizado recursos narrativos como flashbacks para inserir o público do que levou cada um ter o tipo de atitude dentro da narrativa, como por exemplo, a agilidade da Usagi diante da necessidade de sobrevivência ou a escaladas, visto que na “vida anterior”, ela era uma alpinista e o motivo pelo qual ela deseja retornar para a realidade, buscar o pai desaparecido. Outra característica dos recursos narrativos presente na trama é a questão da passagem dos dias, visto que durante o período diurno, não há grandes mudanças na rotina dos personagens, em contraposição ao que acontece no período noturno, que se associa diretamente ao momento em que ocorrem os jogos.
Por fim, em relação à mensagem audiovisual do dorama, a diversidade está ligada à representação de alguns personagens dentro da trama como, por exemplo, o Arisu que é um NEET (sigla que se originou no Reino Unido que significa “Not currently engaged in Employment, Education or Training”), associado a pessoas “vagabundas” que não contribuem em nada para a sociedade, ou um Hikikomori, como é o caso do Takatora Samura/Last Boss (Shuntarō Yanagi), caracterizado por japoneses que vivem de forma isolado dentro do quarto e apresentam níveis graves de isolamento entre jovens entre 13 e 39 anos. Essa caracterização desse tipo de grupo social muito presente nos jovens japoneses reflete a preocupação que os cidadãos têm diante desses jovens e de que forma isso pode ser refletido no futuro. No caso do Last Boss, é possível vislumbrar o deslocamento do personagem como um Hikikomori para um membro da “Milícia” dentro da “Praia”, que encontra a libertação do seu “eu” passado, mudando radicalmente a forma como se veste e comporta dentro do universo distópico.
No que tange a questões de estereótipo, é apresentada a forma como a sociedade ainda é preconceituosa diante de alguns assuntos, como, por exemplo, a questão LBGTQI+. Hikari Kuina (Aya Asahina) é uma personagem que se destaca pelo cabelo dread, sempre vestida com um conjunto de biquíni azul e o cigarro eletrônico na boca, mas por trás das aparências, o flashback da sua vida retoma a infância dela, quando o pai descobriu a sua orientação sexual e a rejeitou como membro da família e a expulsou de casa. Apesar do preconceito do pai, prevalece o respeito ao curvar-se diante dele mesmo após ter sido expulsa de casa, em contraposição ao seu reencontro diante da mãe que se orgulha, independentemente do gênero.
O que amplia o horizonte do público é, por exemplo, a temática, ainda vista de forma preconceituosa pela sociedade japonesa, trazendo essa reflexão para quem assiste. Em contrapartida, Suguru Niragi (Dori Sakurada) também teve um passado difícil em que sofria bullying no período escolar e, apesar dos passados sombrosos desses personagens, o caminho que você escolhe seguir no futuro pode ser outro, erguendo-se na vida como a Kuina ou mergulhando na agressividade e matança como Niragi usando o passado como desculpa. Isso se reflete na oportunidade, uma vez que a sociedade no geral deve estar atenta a esses assuntos que muito se relacionam à saúde mental.
Por fim, a originalidade/criatividade está ligada diretamente a forma como diversas temáticas e personagens são abordados dentro da trama, repleto de reviravoltas que fazem aqueles que assistem estarem atentos a todos os signos presentes no conteúdo audiovisual.
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