Observatório da Qualidade no Audiovisual

I Told Sunset About You

Por Júlia Garcia

I Told Sunset About You (em tradução livre, Eu Contei ao Pôr-do-Sol Sobre Você) é um drama de TV tailandês, ou lakorn, lançado em outubro de 2020 no serviço de streaming Line TV, com cinco episódios de cerca de uma hora e vinte minutos. A produção foi iniciada após a boa recepção de My Ambulance, drama desenvolvido pela produtora Nadao Bangkok que contou com Putthipong Assaratanakul e Krit Amnuaydechkorn nos papéis de Tao e Tiwkaow, um casal. A química dos dois atores levou o diretor Naruebet Kuno e a empresa Nadao Bangkok a elaborarem I Told Sunset About You, que trouxe novamente Putthipong e Krit à tela, dessa vez nos papéis de Teh e Oh-aew, respectivamente. A segunda parte do drama, I Promised You The Moon, teve estreia em 27 de maio de 2021.

A história acompanha Teh (Putthipong) e Oh-aew (Krit), que se conhecem ainda no Ensino Fundamental e passam a fazer parte do mesmo grupo de amigos na escola. Logo os dois se aproximam ainda mais, mas uma briga devido a uma peça de teatro afasta as duas crianças. Estudando, posteriormente, em lugares diferentes e sem contato um com o outro, a amizade só é retomada anos depois. No entanto, os sentimentos de Teh e Oh-aew começam a mudar. Dessa forma, I Told Sunset About You pode ser considerado um drama boys love, ou seja, que possui foco na relação amorosa entre dois garotos. O lakorn será analisado sob a perspectiva da qualidade no audiovisual, considerando o plano da expressão, no qual se enquadram os recursos técnico-expressivos, o plano do conteúdo, referente à narrativa e aos personagens, além da mensagem audiovisual, que abrange os indicadores de qualidade.

No plano da expressão, a análise se concentra nos códigos visuais, sonoros, sintáticos e gráficos. Considerando os códigos visuais, a trama tem como pano de fundo a ilha de Phuket, a maior da Tailândia. Como a família de Oh-aew é dona de um resort litorâneo, muitas das cenas se passam na praia; o pôr-do-sol mencionado no título faz referência, inclusive, ao Promthep Cape, um mirante com vista para a praia Rawai, localizada no distrito de Mueang Phuket. Oh-aew promete, caso passe no vestibular, correr da casa de Teh ao topo de Promthep Cape antes do pôr-do-sol, para o qual planeja gritar que conseguiu, finalmente, entrar na universidade. Além do ambiente litorâneo, as cenas perpassam a paisagem urbana, caracterizada por ruas estreitas e construções tradicionais, que refletem a realidade do interior e do litoral tailandês. Templos chineses também são palco de inúmeras cenas, retratando as relações estreitas entre as culturas chinesa e tailandesa, constantemente apresentadas ao longo do drama.

A caracterização dos personagens também acompanha a ambientação litorânea, especialmente quando os garotos estão no resort da família de Oh-aew. Camisas florais, regatas e bermudas são as principais peças de vestuário utilizadas nessas cenas. Nos demais momentos, os meninos usam, majoritariamente, uniformes escolares. É válido pontuar que Oh-aew se destaca dos demais ao vestir sempre um casaco vermelho e arrumar o cabelo com gel. Teh, percebendo a popularidade do amigo no Instagram, começa a usar o cabelo do mesmo modo. Esse é um dos primeiros momentos de reaproximação dos dois garotos. Além disso, o vestuário tradicional da ópera chinesa, a qual tem um papel significativo no início da trama, também pode ser observado em algumas cenas.

A fotografia, por sua vez, segue um estilo naturalista, condizente com o tom dramático e realista da produção. Essa escolha confere verossimilhança ao drama e ressalta as paisagens naturais de Phuket. Mesmo quando há a apresentação de flashbacks, a fotografia mantém o caráter natural, não se modificando para indicar a mudança de temporalidade. No entanto, tal mudança fica evidente ao espectador, uma vez que retrata a infância de Teh e Oh-aew, com a inserção de trechos em voz over para a explicação dos acontecimentos, além de grafismos – parte dos códigos gráficos – que denominam o local e o ano dos eventos.

A edição, por sua vez, inserida nos códigos sintáticos, segue a ordem cronológica, com exceção dos flashbacks que remontam à infância dos protagonistas. Além disso, é importante pontuar que a montagem inclui muitos planos-sequência, sejam eles fixos ou em movimento. Os planos-sequência fixos são utilizados, principalmente, para evidenciar a tensão sexual entre Teh e Oh-aew: os meninos se aproximam e se afastam, de si e da câmera, construindo uma expectativa que não se consuma. Por outro lado, os planos-sequência em movimento carregam, por vezes, outra conotação, a exemplo de quando Oh-aew descobre que não passou no vestibular: a câmera o acompanha por corredores estreitos, como em uma perseguição, expressando a angústia do personagem.

Por fim, em relação aos códigos sonoros, a música presente na vinheta – composta por imagens e trechos de cenas, alguns em câmera lenta, de Teh e Oh-aew – possui um papel pontual também na trama. A música faz parte da peça A Lenda da Espada da Lua, que despertou o interesse de Teh e Oh-aew pelas artes cênicas ainda quando crianças e, consequentemente, também foi motivo de briga entre os dois amigos. No terceiro episódio, Teh traduz a música, cantada em chinês, para Oh-aew, e descobre-se que a letra se relaciona estreitamente à história dos personagens, com trechos sobre o passado, amor e reencontros. Além de trilhas instrumentais em momentos pontuais do drama, também é possível perceber que, durante os flashbacks que retratam a infância dos protagonistas, as músicas instrumentais são exageradamente dramáticas, o que faz referência ao teatro, elemento de suma importância na narrativa, especialmente no início.

No plano do conteúdo, o storyline tem como base a relação de Teh e Oh-aew, que iniciam a amizade no Ensino Fundamental. Teh sempre foi interessado em artes cênicas devido à peça, também encenada para a TV, A Lenda da Espada da Lua e almejava, desde criança, a carreira de ator. Oh-aew, no entanto, comenta que nunca se empolgava com nenhuma atividade, já que logo se entediava. Contudo, a professora da classe, para a comemoração do Ano Novo Chinês, convida Oh-aew para ser o protagonista Yongjian em um teatro, justamente, de A Lenda da Espada da Lua. Teh incentiva o amigo a aceitar o papel, ainda que desejasse ser o escolhido, e o ajuda a se preparar. Após a peça, Oh-aew diz a Teh que realmente gostou do teatro e que também estava se interessando pelas artes cênicas. Isso causou inveja em Teh, que interpretou as atitudes do amigo como uma espécie de traição, levando os dois garotos a romperem a amizade.

Estudando em instituições diferentes, Teh e Oh-aew se reencontram apenas anos depois, já no último ano escolar, quando o grupo de amigos do qual ambos fazem parte decidiu se reunir para a preparação para o vestibular. Inicialmente, há um sentimento claro de rivalidade entre os dois. Entretanto, a amizade é lentamente retomada, e Teh começa a ajudar Oh-aew a estudar a língua chinesa, já que possui grande conhecimento do idioma e já havia passado no vestibular com antecedência. Ao longo da reaproximação, a amizade vai dando lugar ao romance.

Contudo, a reação dos dois personagens ao desenvolvimento dessa nova relação é substancialmente diferente. Enquanto Oh-aew se mostra seguro, desde o princípio, sobre sua sexualidade, Teh enfrenta obstáculos para assumi-la, especialmente para si mesmo. Inicialmente, Oh-aew conta a Teh que tem sentimentos por Bas (Khunpol Pongpol Panyamit), outro menino do grupo de amigos. Teh recebe a notícia com empolgação e procura formas de ajudar Oh-aew a revelar o que sente pelo garoto. No entanto, Teh começa a sentir ciúmes, e pouco a pouco a relação com Oh-aew se transforma em algo romântico.

É interessante pontuar que a encenação e a dramaturgia, por meio de recursos técnico-expressivos como a mise-en-scène, os planos e a movimentação dos atores, são trabalhadas de modo a construir a tensão sexual entre Teh e Oh-aew sem que os personagens, contudo, transformassem essa tensão em algo assertivo e claro, como um beijo. Em diversas cenas, Teh e Oh-aew se aproximam e se tocam, mas logo se afastam, ou tal aproximação é colocada como uma ação amigável, e não romântica. É apenas no quarto episódio que ocorre um único beijo entre os personagens. No entanto, é evidente, ao longo da trama, a tensão sexual entre eles.

Essa hesitação física reforça, ainda, a dificuldade de Teh em aceitar e entender sua própria sexualidade. Nesse contexto, algumas cenas são simbólicas. Enquanto ainda se veem como amigos, Teh e Oh-aew conversam sobre sexo e perguntam um ao outro se já haviam tocado nos seios de alguma mulher. Ambos riem e respondem negativamente à pergunta. Mais tarde, Teh se encontra com Tan (Smile Parada Thitawachira), uma colega de quem gosta há tempos, e observa seu sutiã por meio de uma abertura na blusa da menina. Com o desenvolvimento de sentimentos românticos entre Teh e Oh-aew, em uma noite os garotos trocam carícias. O momento é interrompido quando Teh passa as mãos sobre o peito de Oh-aew e se lembra de que não está com uma garota, mas sim com um menino, o que o leva a recuar. Temendo assumir seus sentimentos por Oh-aew, Teh se afasta do amigo. Triste pela distância entre os dois e pela hesitação de Teh, Oh-aew, em um momento de contemplação, experimenta colocar um sutiã, postando uma foto no Instagram com a peça, que é deletada logo em seguida. Pode-se interpretar essa atitude, mediante a construção narrativa e as cenas anteriores que tratam a questão, como uma forma de Oh-aew tentar se encaixar naquilo que supõe que Teh gosta. Em nenhum outro momento parece haver dúvidas, por parte de Oh-aew, acerca de sua identidade de gênero, o que leva à conclusão de que o ímpeto de colocar o sutiã se relaciona mais à vontade de agradar Teh do que a um desejo próprio.

Desse modo, enquanto o conflito de Teh se baseia na dificuldade em aceitar sua própria sexualidade, Oh-aew, seguro e resolvido quanto a isso, enfrenta outros tipos de obstáculos. Se Teh, sempre aplicado, com boas notas e grande conhecimento da língua chinesa – um dos parâmetros de avaliação no vestibular –, já possui vaga garantida em uma universidade de prestígio, Oh-aew, por outro lado, luta constantemente para provar seu valor, especialmente nos estudos. Uma cena que enfatiza esse conflito acontece no resort, quando Oh-aew, antes de descobrir se seria aprovado ou não no vestibular, pergunta aos seus pais, chorando, se eles se orgulhavam dele. A família responde afirmativamente e consola o menino. 

A preocupação de Teh, no entanto, é centrada na aceitação de sua sexualidade, especialmente por si mesmo, mas também por sua família. Ao revelar para o irmão Hoon (Nat Kitcharit) que possui sentimentos por Oh-aew, Teh diz se preocupar com a reação de sua mãe. É interessante ressaltar, contudo, que o único a enfrentar algum tipo de barreira com a sexualidade é o próprio Teh; em todos os momentos, os personagens tratam a questão com naturalidade, sem qualquer tipo de ação que denotasse preconceito ou tratamento diferenciado, seja quando Bas afirmou gostar de Oh-aew na frente da classe, quando Hoon descobriu sobre os sentimentos do irmão ou quando o próprio Teh ouviu de Oh-aew que o amigo gostava de um garoto. Teh não possui, inclusive, problemas quanto à sexualidade de Oh-aew; o conflito reside, justamente, em aceitar a sua própria.

A contraposição das dificuldades e características de cada um – que acabam por se complementar, já que os pontos fortes de Oh-aew se mostram barreiras para Teh e vice versa – expõe a rivalidade que os garotos construíram ainda crianças. Ao reatarem a amizade, entretanto, a rixa existente entre os dois passa a ser vista por ambos como um estímulo, e não um obstáculo à relação. O lakorn, portanto, aborda não somente temas relativos à sexualidade, mas também outras questões comuns à juventude, como a pressão para o sucesso, as dúvidas quanto ao futuro e os conflitos, bem como o apoio, entre amigos.

Em relação aos parâmetros de qualidade da mensagem audiovisual, a oportunidade se faz presente não apenas na escolha dos temas, recorrentes na pauta do público jovem, mas também em determinados recursos utilizados para narrar a trama, especialmente no que se refere às redes sociais. Grande parte das interações entre os personagens acontece por meio de aplicativos como o Instagram, e a reação, ou não, às fotos, aos stories ou às mensagens influencia diretamente as ações dos protagonistas. Dessa forma, assim como pode-se perceber na realidade, as redes sociais possuem um papel considerável no desenrolar dos acontecimentos.

A ampliação do horizonte do público, por sua vez, pode ser estimulada a partir de diversos aspectos do drama. Se levado em consideração que as produções da Tailândia não costumam ser veiculadas na mídia mainstream brasileira, o contato com o lakorn em si já pode oferecer, caso o espectador não esteja familiarizado com a cultura tailandesa, caminhos para um maior entendimento acerca do país e do povo. As paisagens de Phuket, ritos religiosos, comemorações como a do Ano Novo Chinês, além de comidas típicas, a exemplo do Hokkien Mee, são alguns dos elementos que podem aproximar o público da realidade cultural da região. Nesse contexto, fica evidente, ao longo de todo o drama, as relações estreitas entre as culturas chinesa e tailandesa, sendo o idioma chinês um ponto central para a retomada do relacionamento entre Teh e Oh-aew. Tais marcas culturais podem, portanto, ajudar o público, especialmente quem não possui grande contato com esse tipo de produção, a melhor compreender a realidade de países do leste e sudeste asiáticos.

Para além da questão cultural, a forma como o lakorn aborda a sexualidade de Teh e Oh-aew também contribui para a ampliação do horizonte do público, uma vez que estimula a aceitação à diversidade de forma natural. Como pontuado, em nenhum momento a sexualidade dos personagens é questionada ou ridicularizada. Nesse sentido, pode-se citar inúmeros momentos nos quais a naturalização dessa questão pode ser observada. Teh, ao descobrir que Oh-aew gosta de Bas, fica animado pelo amigo e tenta ajudá-lo a se aproximar do garoto. Do mesmo modo, quando Bas se declara a Oh-aew em frente à classe, tanto os colegas de sala quanto o professor se mostram comovidos com a declaração e felizes pelo potencial casal. Mesmo o grupo de amigos de Teh e Oh-aew, do qual Bas também faz parte, não demonstra qualquer tipo de estranhamento ou comportamento distinto ao ver Oh-aew e Bas saírem juntos, ainda que os demais meninos do grupo fossem heterossexuais. A naturalização de diferentes formas de sexualidade pode contribuir para que se promova a aceitação e o respeito à diversidade.

Entretanto, embora Teh trate a orientação sexual de Oh-aew de modo totalmente natural, ele hesita, por outro lado, em aceitar sua própria atração pelo amigo. Nesse contexto, pode-se entender essa hesitação não como uma expressão de preconceito propriamente dita, mas sim como uma questão de autodescoberta que dá lugar ao medo e à confusão. Ao revelar ao irmão Hoon – que, assim como os demais personagens, aborda a situação com total naturalidade – que gosta, na verdade, de Oh-aew, Teh se mostra preocupado com a reação de sua mãe, a quem não quer decepcionar, indicando que tal hesitação pode ser relativa ao receio de não ser aceito pela família. Nesse contexto, também é válido considerar que o personagem ainda está descobrindo a própria sexualidade, o que também contribui para que Teh recue na relação com Oh-aew. Desse modo, a expressão de conflitos internos enfrentados pelas pessoas que ainda estão passando pelo processo de autodescoberta também é um ponto relevante para a ampliação do horizonte do público.

Nesse contexto, vê-se que, em relação à diversidade, há a presença de personagens com distintas orientações sexuais, o que já se mostra importante nesse indicador. Além disso, há também considerável diversidade cultural, expressa nas imbricações entre as culturas tailandesa e chinesa. Nesse ponto, também é possível citar a namorada de Hoon, que é japonesa, e os pais de um dos amigos do grupo de Teh e Oh-aew, que são muçulmanos, o que se relaciona, ainda, à diversidade religiosa. Embora esses personagens não tenham papéis de peso na narrativa, eles ajudam a compor um elenco mais diverso e plural.

A diversidade é acompanhada pela apresentação de personagens que, embora não quebrem estereótipos com grande expressividade, também não reforçam representações estereotipadas. Entretanto, é importante ressaltar que, enquanto muitas produções boys love remontam, em certa medida, relações heterossexuais, atribuindo características estereotipicamente relativas à mulher a um personagem, e ao homem a outro, I Told Sunset About You não o faz. Tanto Teh quanto Oh-aew possuem momentos de força e de sensibilidade, não se encaixando em papéis padronizados que podem ser, muitas vezes, vistos nesse gênero.

Por fim, a originalidade/inovação do drama reside na abordagem da questão sexual, tratada com naturalidade em quase todos os momentos, à exceção da hesitação de Teh, que ainda enfrenta obstáculos para aceitar sua sexualidade. Ainda que não seja a primeira produção a fazer uso desse tipo de abordagem, grande parte das narrativas que trabalham com casais no espectro LGBTQIA+ tem como foco o preconceito e a discriminação, os quais não possuem grande relevância em I Told Sunset About You. Ao invés disso, o lakorn busca naturalizar a questão e apresentar os personagens como portadores de diversas camadas e questões, que nem sempre se relacionam à sexualidade, o que dá dinamismo e profundidade a Teh e Oh-aew, em contraposição a muitas produções com a mesma temática.

Dessa forma, pode-se observar que o lakorn apresenta inúmeros elementos capazes de ampliar o horizonte do público, utilizando-se, para tanto, de uma abordagem diferente daquela utilizada por grande parte de obras similares tematicamente, o que também confere certa originalidade/inovação. Além disso, os temas trabalhados, e o modo como são apresentados, são oportunos, e o elenco é consideravelmente diverso.

*Todas as imagens são capturas de tela.

Observatório da Qualidade no Audiovisual

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