Observatório da Qualidade no Audiovisual

AO3

No ambiente da cultura da convergência os interagentes encontram novas formas de disseminar suas práticas expressivas, de interações e leituras sobre os universos ficcionais. Dentro desse mesmo ambiente, surgem as fanfics e os impactos dentro das interatividades dos fãs, que partem de visões críticas e criativas do fandom para adaptarem, recriarem e se inspirarem de uma narrativa canônica (JAMISON, 2017). São várias as motivações por dentro dessa forma de engajamento e produção por parte dos fãs como, por exemplo, insatisfações dentro do paratexto, ativismos sociais e livre expressão literária e política caracterizada pelo desejo do que o fã quer consumir (JAMISON, 2017). 

A partir das potencialidades do ambiente digital os fãs podem criar redes sociais que operem a favor dessa demanda — como podemos analisar, por exemplo, as motivações de surgimento das plataformas nos âmbitos nacionais como Nyah! Fanfiction, Fanfics Brasil, Fanfic Obsession, entre outros. Em 2007, o site estadunidense Archive of Our Own (AO3), surge com a iniciativa de prover acesso, hospedar e preservar a história e cultura de fãs de diversas formas, acreditando que os trabalhos dos fãs são transformadores, portanto, legítimos (ARCHIVE OF OUR OWN, 2020, ONLINE). 

Scolari (2018) enquadra esse contexto na Transmedia Literacy, que é entendida como um conjunto de capacidades e habilidades desenvolvidas e aplicadas dentro das culturas colaborativas. Dentro dela, Narrativa e Estética materializa a capacidade do sujeito de estruturar uma linha de raciocínio, reconstruir universos narrativos e de suas especificidades (SCOLARI, 2018). Os fãs se capacitam e são auxiliados pelas funções do site a Interpretar crítica e criativamente as criações e partilhamentos dos fandons.

A cultura de fãs é motivada pela vontade de integrar, partilhar e criar argumentos baseados em suas interpretações (JAMINSON, 2017, p.56), sem esquecer também seu caráter político movido por viés ideológicos e ativistas (JENKINS, 2012). 

O site de fanfics AO3 é composto por um layout otimizado e objetivo, suas informações e links principais se concentram em uma barra no cabeçalho. A home do site é composta por Famoms, Browser, Search e About, seguido por uma barra de busca por palavras chaves no site, em seguida há um botão para Log in. No corpo da página estão dispostos ao lado esquerdo duas seções: as categorias de fanfics na aba “Find your favorites”, as notícias referentes a organização na aba “News”. Centralizado na homepage, estão informações do site como, propósito, número de fandons, quantidade de membros e quantas obras foram postadas no site. Abaixo, há uma caixa com informações sobre os benefícios de se tornar um membro e, então, uma caixa com os tuites mais recentes de uma das partições da organização, a Transformative Works. Ao final da página, no rodapé, há três seções separando links informativos sobre o site. Na primeira, “About the Archive” estão inseridas informações como mapa do site, termos de serviço, declaração de diversidade e lei dos direitos autorais do milênio digital. A segunda, “Contact Us”, se posiciona um link para denúncias de abusos e em seguida um link para suporte técnico e feedback do site. A terceira seção é referente aos diretos de desenvolvimento e layout do site.


Essas informações ressaltam a importância de organização, colaboração e competências enquanto comunidades. Refletem a importância de assegurar as obras dos fãs enquanto propriedades intelectuais e criativas, assegurar os direitos morais e de usuário do site e disposição de organização informacional do site.

A página “Fandoms”, no cabeçalho do site, estão dispostas doze categorizações de fanfics hospedadas no AO3, sendo elas: livros e literaturas, filmes, jogos, outras mídias, teatro, videogames, fandons não categorizados, entre outros. Ao clicar em um desses grupos, o usuário é redirecionado a página contendo os títulos (séries, livros, filmes, etc) em que as fanfics são inspiradas.

Essa configuração reflete a capacidade de Reconhecer e Descrever gêneros, formatos e linguagens de diferentes meios e plataformas. Neste contexto, a capacidade de reconhecer os segmentos de uma narrativa e tipificar qual grupo sua trama íntegra, influência nos motores de busca do site. 

A página seguinte, “Browser” possibilita que o leitor explore o conteúdo hospedado do site, podendo ser agrupados por “Works”, se organizando pelas últimas fanfics atualizadas, “Bookmarks”, com as últimas histórias favoritadas pelos membros, “Tags”, com a disposição de todas as tags registradas no site, referente a um tipo de temática ou sub-temática da fic e, por fim, “Collections”, com coleções de fanfics feitas a partir de uma curadoria feita por autores ou leitores. A página “Search” apresenta função semelhante, permitindo que os fãs possam buscar fanfics, tags, favoritos ou usuários específicos.

Essa ferramenta auxilia na busca motora por produtos objetivos que os leitores queiram consumir. Essa capacidade dentro da tipografia feita por Scolari (2018) é definida como Comparar. Jamison (2017, 199) aponta que “[…] há algo fascinante na forma como uma comunidade decide quais histórias promover. Não existe um editor ou uma equipe de editores lendo um livro e decidindo publicá-lo. Em vez disso, é um coletivo de pessoas […] que escolhe uma fic e decide que adora”. Sendo assim, os fãs são capazes de comparar suas preferências e definir os melhores conteúdos e quais meios pesquisar por essas temáticas, autores e etc.

A aba “About” se organiza em outras cinco seções: “About Us”, “News”, “FAQ”, “Wrangling Guidelines” e “Donate or Volunteer”.

Na primeira seção estão organizadas informações sobre o site e o pessoal, não sendo identificado os moderadores nem o criador. Entretanto, disponibilizam outros projetos da AO3, sendo eles: Fanlore, uma Wikipédia criada por fãs sobre o mundo de fandoms, fanfics e conteúdo de ficção; Legal Advocacy, uma parte do site que se compromete em fornecer informações, proteger e defender criações de fãs contra exploração comercial e contestação legal; Open Doors, que oferece abrigo a projetos de fãs em risco e disponibiliza tutoriais e dicas para como salvá-los; e por fim, Transformative Works and Cultures, uma revista acadêmica que busca promover bolsas de estudos em trabalhos e práticas de fãs. Essas extensões do site e organização AO3 ressalta a importância da cultura participativa, subversão dos papéis de consumidores e produtores e consolidação de uma comunidade de fãs. 

Na aba “News”, o site dispõe de um feed informativos sobre a corporação, assim como pareceres e notas de avisos sobre os reflexos de situações políticas com o site, manutenções, atualizações, pedidos de ajudas e doações e outros tipos de informes. O “FAQ” reúne perguntas frequentes, indicando tutoriais e dicas referentes a utilização do site. Em “Wrangling Guidelines” são colocadas uma série de diretrizes sobre como funcionam e o que significam alguns termos dentro do fandom, se dividindo em: Introdução e conceitos gerais, primeiros princípios, fandons, personagens, relacionamentos, tags adicionais, metatags, e descrição de trabalhos. Essas diretrizes reúnem informações sobre como o site e a comunidade opera e como os requisitos que devem ser seguidos ao publicar uma fanfic. As participações dessas três abas destacam a capacidade de organização enquanto comunidade e da criação de uma cultura entre os usuários. Essa capacidade é reconhecida como Interpretar na dimensão proposta por Scolari (2018), na qual o sujeito se torna capacitado de aplicar e gerir metodologias e técnicas indicadas para a escrita e estruturação das fanfics. Posteriormente, o autor exerce a capacidade de Tomar decisões e aplica-las, ao categorizar suas histórias seguindo a metodologia indicada.

A última seção é “Doadores e voluntários”. O AO3 é um site e comunidade operada por fãs sem fins lucrativos e que ampara de variadas formas as necessidades de seus usuários. É operada sem a presença de anúncios no site, contribuindo para um bem estar estético enquanto os usuários exploram as diversas páginas e serviços. Para isso, a organização apela para contribuições de serviços com os projetos: Fanlore; Legal Advocacy; Open Doors; Transformative Works and Cultures; Fanhackers, um blog que concentra discussões e tópicos de perspectivas de fãs sobre estudo de mídia e fãs; e Fan Video and Multimedia, um projeto que auxilia a criação e testes de roteiros de vídeos e multimídias feito por fãs.

Para publicar uma fanfic no site, é necessário ser um membro. Se cadastrar é gratuito, no entanto é preciso entrar em uma lista de espera para receber convite. Na página inicial há um botão para inserir e-mail e ser convidado — o tempo de espera é de até três dias úteis, uma vez que são enviados 15.000 convites por dia (ARCHIVE OF OUR OWN, 2020, ONLINE).

Há uma série de símbolos que indicam categorizações e classificações das histórias antes que elas sejam abertas pelos leitores. Na classificação indicativa é indicado a faixa etária a qual a história é direcionada. A categoria Relacionamentos, Pares e Orientações, com informações sobre temáticas de orientação sexual predominante e que seja foco da narrativa. A terceira tipificação é aviso de conteúdos, determinando a abordagem e graus de cenas gráficas presentes na obra. A última informação, é se a história foi terminada ou não. Na página de publicação da fanfic o layout segue simples, padronizado ao restante do site. Em destaque estão as informações descritas da história, divididas em classificação indicativa, avisos sobre arquivo, categoria, fandom relacionado, qual relacionamento em destaque na história, personagens principais, tags adicionais, idioma, coleção e status (data de atualização, quantidade de capítulos disponíveis, etc). Essa organização e possibilidades de categorização reflete a capacidade Tomar decisões e aplicá-las, Interpretar, Reconhecer e Descrever, permitindo que o autor identifique todos os aspectos de suas histórias.


No corpo da página, abaixo das descrições sobre a fanfic, é indicado um resumo sobre o capítulo ou história (no caso de one-shots), notas do autor, e então a história narrada. É possível ainda compartilhar, comentar, dar kudos (uma espécie de avaliação) e fazer o download do capítulo. Existem ainda, hospedados no site, outras formas de mídias que os fãs apropriam da linguagem para a criação de fanfics como, por exemplo fan videos, e as podfics (fanfics lidas em formato de podcast). O formato de publicação é o mesmo dos textos literários, com inserção de links para as plataformas onde as mídias estão hospedadas. Nessa situação, o site tem a função de reunir, replicar e compartilhar na comunidade de fãs. Não há a presença de capas ou ilustrações que acompanham a narrativa — com exceção das fanarts caracterizada como um produto específico anunciada pelo site, mas não encontrada no momento de análise.

O site internacional de fanfics, AO3, ainda exerce atividades frequentes nas redes sociais, sendo suas principais ações através do twitter. Para isso, a organização possui cinco contas para diferentes motivos e projetos. São elas, a nave mãe da organização @OTW_News, as seguintes contas para assuntos relacionados ao AO3: @ao3org, @AO3_Status, @AO3_wranglers e o projeto de estudo de mídias e fãs @fanhackers.


A Organization Transformative Works é uma organização ambiciosa construída para e pelos fãs. Nela é possível ter o exemplo prático da ideia de cultura participativa, movimentação e engajamento de fãs, e da organização do fandom em uma comunidade sólida. As divisões e subdivisões dos projetos representa como a comunidade de conhecimento dos fãs integram uma organização contribuindo e reunindo seus esforços individuais a favor de um objetivo coletivo.

Referências:

About Us. Archive Of Our Own, 2020, Online. Disponível em: <https://archiveofourown.org/about >. Acesso em: 1 mar. 2020.

JAMISON, A. Fic – Por que a fanfiction está dominando o mundo. São Paulo: Rocco, 2017.\

JENKINS, H. Lendo criticamente e lendo criativamente. In Matrizes, v.9, n.1, p. 11-24, 2012.

SCOLARI, C. Literacia transmedia na nova ecologia mediática – Livro Branco. Barcelona: Europen Union Funding for Research & Innovasion, 2018.

Por Lucas Vieira

Observatório da Qualidade no Audiovisual

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