Observatório da Qualidade no Audiovisual

Podfics: a expansão do universo de Good Omens

Lucas Vieira

No universo dos podcasts temos produtos diversificados e com produções mutáveis que se diferem entre as várias podosferas (núcleos que envolvem produtores, gêneros, formatos, públicos, etc). Por si só, ao passar do tempo desde sua criação, o podcast tem por essência o amadorismo, a cultura colaborativa e a experimentação. Isso se deve porque “Grande parte dos podcasters são originalmente ouvintes que resolvem fazer seus próprios podcasts apenas pela diversão que a prática pode proporcionar” (LUIZ, 2014, p. 13). No âmbito das práticas da cultura de fãs, as podfics se popularizaram através do site colaborativo de fãs Archive Of Our Own, e podem ser definidos, de modo geral, como leituras de fanfics em arquivos de áudio. O nome é a junção de pod, de podcast e fic de fanfic; outro nome comumente utilizado é audiofic e que se aproxima do formato semelhante de leitura, os audiolivros.

Por volta de 2004, programas de áudio já eram disponibilizados arquivos em como MP3 e WMA para o download em blogs enquanto a tecnologia que possibilitava o broadcasting não existia. Nesses mesmos arquivos, a leitura de publicações era comum. Entretanto, 

Fãs vêm gravando fanfics há tanto tempo quanto estão lendo. No entanto, a ideia de gravar fanfics parece ser reinventada diversas vezes, em cada geração de tecnologia desenvolvida e, algumas vezes, simultaneamente em diferentes comunidades contemporâneas” (FANLORE, Online) (Tradução nossa). [1] 1

Antes mesmo da popularização dos programas de áudio, dos formatos que hoje conhecemos como podcast e até mesmo das podfics, a gravação das narrativas já era recorrente nas experimentações dos fandons através de fanzines em fita cassete, também conhecidas como audiozines ou audiofics. Tais como a fanzine Datazine de número 32 que disponibilizou fita cassete de uma audiofic de Star Trek em 1984, as audiofics de Xena em 1996 que foram distribuídas em fitas, depois em CDs, e então disponibilizadas em websites, entre outros. Neste contexto, compreendemos o termo podfic e sua relação com o podcast como um reconhecimento além do formato, mas da distribuição broadcasting da mídia.

Imagem 1 – Fita cassete de fanzine
Fonte: Fanlore (2020)

Assim como o podcast passou por diversas mudanças desde seu surgimento, as gravações de fãs também se configurou a partir de um processo semelhante. Em meados dos anos 2000 os fandons começam a adotar a plataforma LiveJournal para a disponibilização dos arquivos de áudio, adotando o nome podfic. A comunidade sbp_aloud é apontada como a pioneira do formato, com o projeto multimídia de fanfic da saga Harry Potter, The Shoebox Project, de autoria de Jaida Jones e Rave, composta por 30 partes, incluindo extras e partes divididas. Após a página no LiveJournal ter sido hackeada em 2008, o projeto permaneceu inativo até que as autoras disponibilizaram o conteúdo na íntegra em PDF. No entanto, em janeiro de 2017, as Jaida e Rave  anunciaram o desenvolvimento de novas partes do projeto.

Vale destacar que, apesar de The Shoebox Project não ter conexões diretas com as audiozines, ele foi inspirado em um outro projeto do fandom de Harry Potter, criado pela comunidade hpreadaloud que disponibilizou audiolivros da série inteiramente gravados pelos fãs. Neste contexto, podemos observar que a produção e o consumo dos formatos de áudio sempre estiveram presentes nas práticas da cultura de fãs.

Ao longo dos anos vários sites foram os epicentros das discussões e divulgação das podfics criadas por diversos fandons à medida que portais e comunidades tais como o LiveJournal perdiam forças. Atualmente as plataformas como, por exemplo, Twitter, Tumblr, YouTube e mais recentemente, o Discord estão entre as mais populares. Porém, o AO3 é o site com o maior acervo podfics, em 2019 a aba “Podfic” reunia aproximadamente 21.000 trabalhos publicados.

Apesar deste amplo acervo, o formato requer o uso de outras plataformas de hospedagens de mídias, uma vez que a arquitetura operacional do site é pensada principalmente para o formato de texto. Os integrantes do AO3 adaptam o recurso direcionando para publicação de capítulos para disponibilizar os arquivos, geralmente em links para download, retornando as origens do podcast, ou para outros serviços de nuvens específicos para áudios ou vídeos, como SoundCloud e o YouTube. A utilização de um segundo canal para a hospedagem dos arquivos, enquanto o primeiro serve para a organização das mídias também é comum em projetos fora do AO3, como em blogs pessoais, Tumblr e Twitter.

No entanto, percebe-se a crescente produção de podcasts nos últimos anos e o interesse de grandes plataformas de streaming na monetização de players interessados no formato como, por exemplo Spotify, Deezer, Google Podcasts e Apple Podcasts.  Este processo possibilita que que mais pessoas utilizem desses meios para a publicação de seus próprios trabalhos, sejam profissionais ou amadores. É importante destacar para a produção de podfics existe uma diversidade ainda mais extensa, considerando fandons, comunidades, as várias podosferas e ainda as contínuas e rápidas mudanças que o formato sofre.

Imagem 2 – Perfil de Literarion na plataforma Anchor.
Fonte: Anchor (2020)

O perfil Literarion é responsável por mais de 113 trabalhos de podfics, na qual 13 são séries em contrapartida com oneshots de apenas um capítulo/episódio. Seus trabalhos são reunidos no site AO3, se organizando tanto com co-autoria com outros perfis, quanto em produções individuais. Além do perfil no site, Literarion também pode ser encontrada no Twitter e no Tumblr, onde também publica os links para as podfics no AO3. A criadora utiliza o Anchor para a publicação de suas gravações, sendo distribuídas para outras plataformas tais como Spotify, Apple Podcasts, Overcast, Google Podcasts, entre outras. As podfics se concentram, num geral, em gravações de fanfics do livro de Neil Gailman e Terry Pratchett e da série original Amazon Prime homônima, Good Omens (2019).

Em entrevista ao Observatório da Qualidade no Audiovisual, Literarion nos ajuda a compreender o atual cenário das podfics e de suas produções baseado na própria experiência.

Recapitulando, o formato podfic se caracteriza como uma “[…] produção realizada por fãs como narrativa em áudio, podendo ser uma narração oral ou um audiobook de uma fanfic” (COSTA, 2018). Literarion (2020) destaca que 

Muitos podificers vão pegar a história e apenas lê-las em voz alta, exatamente como ela é. No entanto existem produções mais elaboradas, como vozes diferentes para indicar cada personagem, ou até mesmo pessoas diferentes para interpretar personagens diferentes; adição de efeitos sonoros ou músicas, etc; mas basicamente, se concentra na leitura da história”. (Tradução e adaptação nossa) [2] 2

Apesar do nome, podemos observar o distanciamento da podfic com o podcast, porém o formato ainda é muito similar aos audiolivros. Além da profissionalização e qualidade exigida nos audiolivros enquanto um produto comercial, a principal diferença para as podfics é a distribuição e monetização dos trabalhos. Como explica Literarion (2020), “Podfics estão em uma área legal ainda mais cinza do que as próprias fanfics: como um trabalho derivado de outro trabalho [de fã], a monetização não apenas com os direitos autorais do autor ou produtor do material de origem, mas com o próprio autor da fanfic”. (Tradução nossa) [3]3

Além das gravações de outras fanfics, são raras as histórias que sejam pensadas exclusivamente para o formato de podfic. A prática sugere um trabalho de fã em cima de outro trabalho de fã, a fanfic. Contudo, “[…] existem histórias escritas para serem podificadas, com esse propósito específico em mente – mas, geralmente, as duas versões são publicadas, caso contrário a história seria menos acessível!” (LITERARION, 2020). (Tradução nossa) [4] 4

As produções destacam a leitura crítica e criativa do fã ao refletirem uma série de escolhas que implicam suas interpretações sobre uma obra (JENKINS, 2012). Seja uma fanwork ou uma prática derivada da produção de outro fã, as decisões técnicas e criativas feitas na criação um conteúdo refletem diversas competências midiáticas. Para analisarmos as habilidades críticas e criativas em operação na produção das podfic iremos adotar a metodologia proposta por Ferrés e Piscitelli (2015). A reflexão será  feita a partir de uma entrevista com a podfic’er Literarion ao Observatório.

De acordo com Ferrés e Piscitelli (2014) na dimensão Linguagem, o âmbito da análise refere-se à capacidade de compreender a forma como as mensagens são construídas em diferentes mídias gerando diferentes produções de sentido. Além da capacidade de estabelecer relações entre textos, códigos e mídias. O âmbito da expressão refere-se à capacidade que o indivíduo tem de se expressar utilizando diferentes sistemas de representação e estilos em função da situação comunicativa, do conteúdo transmitido e do interlocutor. Além da capacidade de modificar os produtos existentes, conferindo-lhes novos significados, como é o caso dos memes, das referências intertextuais e da remixagem, por exemplo.

A dimensão proposta por Ferrés e Piscitelli (2015) pode ser observada nos aspectos que envolvem a adaptação das fanfics para a gravação de suas podfics. Literarion não trabalha em grupos na maioria das vezes, embora seja comum colaborações com outros podfic’ers. Essas produções coletivas acontecem principalmente em projetos maiores, como o projeto com o fandom de Good Omens (Amazon Prime, 2019) “Crown of Thorns”, sendo essa uma exceção. Literarion define seus trabalhos coletivos não como uma “equipe”, mas uma “rede de pessoas que colaboram com diferentes trabalhos”.

Ainda adotando o projeto “Crown of Thorns” como exemplo, que reúne cerca de 80 participantes, a fã explica que precisa de pessoas com habilidades relacionadas a dublagem, a edição, a arte e a organização. No entanto, ela não procura por pessoas com essas habilidades específicas, sendo a principal motivação a paixão por podfics e pelo projeto. “Se eu quero fazer um podfic, eu não procuro por habilidades, eu conto às pessoas o que eu quero realizar, e os que acreditarem que o projeto vale a pena, se juntarão comigo nesse esforço” (Tradução nossa) [5]5. A noção da produção coletiva em prol de um mesmo objetivo reforça os argumentos da cultura de fãs e o empenho na produção do público ávido, sendo um projeto pessoal para o fandom, sem visar, necessariamente, o lucro, destaque ou a “benção” do criador original (JENKINS, 2012; JAMINSON, 2017).

De modo geral, Literarion explica que a gravação não exige, necessariamente, muitas adaptações e o processo de preparo do texto varia de podfic’er para podfic’er. Contudo, o formato de áudio possibilita o uso de recursos técnicos que podem trazer uma experiência narrativa mais apurada, como diferentes vozes e entonações na interpretação da leitura, e adição de efeitos sonoros e músicas. Ressalta-se que os efeitos sonoros não são regras e é usado ocasionalmente, variando de produção para produção e história para história, enquanto introduções e saídas são mais comuns se serem acompanhadas por uma música de fundo.

Literarion nos pontua que, em sua experiência pessoal, prepara scripts apenas para histórias mais extensas. As histórias maiores, com mais de cinco mil palavras ou com vários capítulos, segundo a podfic’er, demandam a elaboração de scripts. Nesse caso, para melhor organização, Literarion cria códigos que a ajudem no processo de gravação. Um dos exemplos é o uso de cores nas frases para indicar quando um personagem diferente entra e/ou sai de cena, para que ela use vozes distintas. No entanto, no processo de gravação coletiva o preparo de scripts com indicações e/ou outros códigos são necessários para que todos saibam suas partes. Vale destacar que nem sempre o formato de texto, que é uma informação visual, será possível transpassar exatamente da mesma forma para o áudio, sendo assim 

Alguns podfic’ers vão fazer algumas adaptações do trabalho, especialmente quando as histórias incluem mensagens escritas entre os personagens (assim como diálogos extensos), para facilitar a compreensão no formato de áudio (LITERARION, 2020) (Tradução nossa) [6] 6

Considerando que raramente o processo de gravação é feita pelo fandom junto com o autor, com exceções de fanfics criadas especificamente para a produção de uma podfic, o material está sempre aberto a interpretações. Dessa forma, a podfic’er Literarion compreende suas produções como interpretações do trabalho original, visando a criação para sua audiência e o fandom e não um trabalho para o autor e/ou o cânone. No entanto, a fã afirma que contata os autores em algumas ocasiões: “A menos que tenham declarado uma permissão geral, eu sempre confiro se está tudo bem para os autores se eu gravar suas histórias [em podfics] […]” (LITERARION, 2020) (Tradução e adaptação nossa) [7]7. Casos como “[…] problemas no script tais como erros gramaticais ou frases que podem ser lidas de formas variadas” (LITERARION, 2020). (Tradução nossa) [8]8

Ferrés e Piscitelli (2015) na dimensão Ideologia e valores, o âmbito da análise relaciona-se com a capacidade de entender como as representações midiáticas estruturam nossa percepção da realidade; avaliar a fiabilidade das fontes de informação; habilidade de buscar, organizar, contrastar, priorizar e sintetizar informações de distintos sistemas e contextos. Detectar as intenções ou interesses subjacentes, tanto nas produções corporativas quanto populares. Analisar as identidades virtuais individuais e coletivas e detectar os estereótipos, analisando suas causas e consequências. Reconhecer os processos de identificação emocional com os personagens e as situações das histórias como potencial mecanismo de manipulação. Gerir as próprias emoções na interação com as telas, em função da ideologia e dos valores que transmitem. No âmbito da expressão refere-se à capacidade de usar as ferramentas comunicativas para transmitir valores e contribuir para a melhoria do ambiente social e cultural, atuando de forma comprometida. E também de elaborar e modificar produtos para questionar valores ou estereótipos presentes nas produções midiáticas.

A dimensão está em operação desde a decisão de se criar uma podfic até a seleção das histórias gravadas. Tanto o audiolivro, quanto o podcast, e de uma forma geral, as mídias em formatos de áudio, são facilmente relacionadas com a acessibilidade. A gravação em áudio de fanfics também se posiciona como tal, como explica a criadora do projeto: 

“O formato podfic certamente é feito pensado na acessibilidade. Eu conheço um número de autores que gravam suas histórias com o objetivo de ser acessível para uma maior audiência, seja para atender a pessoas com deficiências ou simplesmente possibilitar o consumo em diferentes momentos e situações (como no trabalho ou no trânsito)” (LITERARION, 2020) (Tradução nossa) [9]9.

A seleção das fanfics que serão gravadas também seguem requisitos pessoais, sendo principalmente dois, destacados por Literarion na entrevista: 1) precisam funcionar no formato de áudio e 2) precisam ser histórias que criem emoções. Os dois requisitos dialogam com a capacidade de  compreender criticamente o que o formato produzido demanda, sendo o primeiro relacionado ao conhecimento do formato, e o segundo ao consumo e audiência. Para Literarion (2020), histórias que se adequam ao formato de áudio são “[…] aquelas que são baseadas, principalmente, em diálogos (ou até mesmo monólogos), ou que o ouvir seja particularmente relevante” (tradução e adaptação nossa) [10]10; enquanto as histórias que são capazes de estimular emoções são, segundo ela “[…] aquelas que me faça rir, chorar ou simplesmente ficam em minha cabeça: histórias que não consigo superar, ou esquecer.” (Tradução e adaptação nossa) [11] 11. A podfic’er também destaca a autonomia em suas criações ao afirmar que grava o que ela gosta e sua audiência a acompanha porque compartilham de um mesmo gosto Dessa forma, se reafirma que o trabalho de fã tem sua leitura crítica e motivação pessoal, sobretudo.

Entre os trabalhos de Literarion foi observado, também, um padrão das narrativas através do shipp “Ineffable Husbands”, que se designa ao par romântico dos protagonistas Crowley (David Tennant) e Aziraphale (Michael Sheen). Ao contrário dos shipps comumente de outras obras, que se concentram na combinação dos nomes das personagens, “Ineffable Husbands” se deve a uma cena canônica entre os personagens. Na obra canônica, tanto no livro de Terry Pratchett e Neil Gaiman, lançado em 1990, quanto na série do Amazon Prime Video, os personagens não formam um casal, apesar da constante aproximação e o que os fãs percebem como “tensão sexual” entre os protagonistas.

Tanto a produção criativa no material de fã original, a fanfic, quanto a seleção das podfics, reforçam o preenchimento de uma lacuna deixada pelo texto canônico; seja ao desenvolver os personagens e suas relações ou ao afirmar suas sexualidades. Dentro do fandom de Good Omens, o anjo Aziraphale e o demônio Crowley, são constantemente encontrados como homossexuais, bissexuais, pansexuais, assexuais ou arromânticos. No entanto, em 2019 ao ser questionado por uma conta, o autor Neil Gaiman relata em resposta à uma fã que pedia a confirmação no Twitter:

“Eu não excluiria as ideias de que são ace [assexuais], arromânticos ou trans[gêneros]. De acordo com o livro, eles são um anjo e um demônio, não seres-humanos homens. Anjos e demônios não possuem sexo, algo que tentamos refletir no casting [da série]. O que quer que Crowley e Aziraphale sejam, é uma história de amor.” (Tradução nossa) [12] 12

Na dimensão Estética, o âmbito da análise relaciona-se com a capacidade de compreender os aspectos formais que compõem uma mensagem midiática, reconhecer a qualidade estética. Relacionar as produções midiáticas com outras manifestações artísticas, detectando influências mútuas. Além da capacidade de identificar as categorias estéticas básicas como a inovação.

Na produção de Literarion a dimensão pode ser observada nas sensações transpassadas pela narrativa enquadrando seu formato, assim como as escolhas que contemplem a uniformidade dos elementos. Em paralelo aos acontecimentos, diálogos e interações dos personagens na série do streaming, existe o acompanhamento de um narrador observador, que se refere a si mesmo como o Deus criador daquele universo. O narrador acompanha e indica os acontecimentos e detalhes durante a trama. De forma semelhante acontece na podfic com a voz de Literarion tomando o lugar da narração, enquanto a mesma cria diferentes vozes para personificar a interpretação dos personagens. No entanto, Literarion (2020) explica que define “[…] vozes diferentes para os personagens principais e não tento imitar as vozes dos personagens originais […]”. (Tradução nossa) [13] 13

A decisão do desenrolar das tramas não parte da podfic’er, afinal, ela faz a gravação de uma fanfic pronto e pré-selecionada. Quando, ocasionalmente, há cenas que retomam cenas canônicas, Literarion (2020) diz que volta ao material original e tenta recriar, interpretar ou adaptar da melhor forma possível. Essa decisão também dialoga com a dimensão estética, ao remontar, com as próprias interpretações e leituras de significados, o texto canônico.

A escolha da arte ou imagem que vai acompanhar a podfic ou os episódios das séries de podfics refletem diretamente a dimensão analisada, aplicando informações visuais que corroborem com a mensagem transmitida na narrativa. Como, por exemplo, ao decidir uma arte que retrata o casamento de Crowley e Aziraphale na podfic “In Pleasure Clothes”, que retrata o casamento das duas personagens e traz como capa a ilustração dos protagonistas vestidos para casamento em um arco dourado. Ou ainda as fontes que retratam certa antiguidade a série de podfics chamada “Prophecies of OLHTS”, que faz referências ao antigo livro de profecias retratado no cânone, e a imagem de fundo de um corpo masculino vestido de lingerie, que sugere a sátira e interpretação cômica dessas profecias.

Embora o formato da podfic seja constantemente volátil a mudanças, ele se consolida e reflete o desempenho de leitura dos fandons através de diferentes mídias. Reconhecendo suas limitações e exigências, os podfic’ers desenvolvem e aplicam dimensões da competências midiáticas para adaptar e complementar as narrativas de acordo com as demandas e os próprios espaços de experimentação.

A leitura crítica se sobressai durante a análise da produção de podfic através do reconhecimento técnico e organizacional para a estruturação da mídia. A leitura criativa do fã também está presente na escolha de interpretação, tonalidades de vozes e curadoria de fanfics a serem gravadas, e na escolha de capa para episódios específicos.

Em suma, a fã reconhece a funcionalidade, formatos, regras, limitações e aberturas desse espaço, assim como o entendimento de suas ressignificações e públicos. Mesmo que uma fanwork de outra fanwork, o trabalho se torna conciso enquanto uma identidade própria e as habilidades individuais colocadas em prática no projeto, e reforça o trabalho e movimento coletivo dos fãs.

Notas: 

[1] Texto original: “Fans have been recording fanfiction for as long as they have had the means. However, the idea of recording fanfiction seems to have been reinvented several times, for each generation of technological development and sometimes simultaneously in different contemporary communities”. (FANLORE, Online).

[2] Texto original: “Many podfic’ers will just take a story as-is and simply read it out loud. There are more elaborate productions, with characters read in different voices, or even by different people, addition of sound effects and / or music – but at the baseline, it remains just the reading of a story.” (LITERARION, 2020).

[3] Texto original: “Podfics are even more of a legal grey zone than fanfiction itself: As a derivative work of a derivative work, monetising podfics would need to deal not only with the rights of the original author or producer of the source material for the fanfic, but also with the author of the fanfic itself.” (LITERARION, 2020).

[4] Texto original: “There are definitely stories that are written to be podfic’ed, with that specific purpose in mind – but then both versions are published – else the story would be less accessible!” (LITERARION, 2020).

[5] Texto original: “If I want to make a podfic, I do not look for skills, I tell people what I want to achieve, and those that find that goal worthwhile will join me in thar endeavour.” (LITERARION, 2020).

[6] Texto original: “Some podfic’ers will do some adaptation of the work, especially where the story includes written messaged between characters (such as chat logs), to make them easier to understand in the audio format.” (LITERARION, 2020).

[7] Texto original: “I Always check with the authors whether they are happy for me to read their stories (unless they have stated a blanket permisson somewhere) […]” (LITERARION, 2020).

[8] Texto original: “I may check in with them about any issues in the script, such as grammatical errors, or phrases that could be read multiple ways.” (LITERARION, 2020).

[9] Texto original: “Podfic as a format certainly is done with accessibility in mind. I know of a number of authors who record their own stories in order to make them accessible to a wider audience, be that by overcoming disabilities, or simply by enabling different times to consume stories (such as while driving, working).” (LITERARION, 2020)

[10] Texto original: “Stories that lend themselves to audio are those that are very dialogue-based (or even monologues), or where listening is particularly relevant.” (LITERARION, 2020)

[11] [11] Texto original: “Stories that create emotions are – in my case – those that make me either laugh, or cry, or simply ‘stick’ in my head. Stories that I cannot get over, cannot forget.” (LITERARION, 2020).

[12] Texto original: “I wouldn’t exclude the ideas that they are ace, or aromantic, or trans. They are an angel and a demon, not as male* humans, per the book. Occult/Ethereal beings don’t have sexes, something we tried to reflect in the casting. Whatever Crowley and Aziraphale are, it’s a love story.” (Neil Gaiman, Online) Disponível em: < https://cutt.ly/7fDG5X2>. Acesso em: 16 set. 2020.

[13] Texto original: “I do have set voices for main characters, and I do not try to imitate original character voices […]”. (LITERARION, 2020).

Referências:

COSTA, Sarah Moralejo da. Fanworks de fanworks: a rede de produção dos fãs. 2018. 258 f. Dissertação (Doutorado em Comunicação e Informação) – Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2014-2018.

FERRÉS, J; PISCITELLI, A. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. In Lumina, v. 9, n, 1, p. 1-16, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/3EQnc6>. Acesso em: 16 set. 2020.

FANLORE. Podfic. Disponível em < https://fanlore.org/wiki/Podfic>. Acesso em 14 set. 2020.

JAMISON, A. Fic – Por que a fanfiction está dominando o mundo. São Paulo: Rocco, 2017.

JENKINS, H. Lendo criticamente e lendo criativamente. In Matrizes, v.9, n.1, p. 11-24, 2012. Disponível em: < https://bit.ly/2I9TWnn>. Acesso em: 16 set. 2020.

LUIZ, L. A história do podcast. In: LUIZ, L (org.). Reflexões sobre o Podcast. Nova Iguaçu: Marsupial Editora, 2014, p. 9-14.

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