Observatório da Qualidade no Audiovisual

Singularity, o smut no Instagram

Hsu Ya Ya

Lançada em 2010, o Instagram é uma rede social de compartilhamento de fotos e vídeos para smartphones. Possui um “feed de notícias” semelhantes a outras redes sociais como o Twitter e o Facebook, mas o foco principal desta rede é o compartilhamento visual. A rede social tem sido adotada por inúmeros fandoms para a criação e publicação de fanfics.

Jamison (2017) aponta que a cultura do fanwriting está em constante mudança, não apenas por consequência do atual ecossistema de conectividade, que facilita a publicação e a postagem dos conteúdos, mas também por sua relação intrínseca nos âmbitos políticos e culturais. Como explica a autora, “[…] não foi a tecnologia que mudou a fanfiction. Como qualquer outro aspecto da cultura, a fanfiction reage e molda outras transformações culturais mais amplas” (JAMISON, 2017, p. 121).

A produção da cultura de fãs é ampla e está presente em diversas plataformas, a partir de distintos formatos e linguagens. Nesse contexto, vários fãs utilizam outros meios para a publicação de suas histórias, não se restringindo apenas as plataformas de fanfics. Ao explorar novos modos de produção de conteúdo, os fãs muitas vezes ressignificam a arquitetura informacional das redes sociais. Como é o caso do Instagram, um espaço que não foi pensado para publicação de narrativas desenvolvidas por fãs, mas que possui maior interação entre a produção, distribuição e consumo entre os leitores e escritores.

Smut: a fanfic erótica

Criado, em outubro de 2018, pelas fãs Washu, Karol e Ell o perfil “contoseroticosbts” se descreve como “fanpage dedicada a contos, imagines e interações relacionados ao grupo BTS” de conteúdo adulto. Atualmente, a página é administrada pela Karol e conta com 939 publicações e 3.224 seguidores.

Na descrição do perfil, ainda é possível encontrar o link para a plataforma Wattpad, onde também são disponibilizas as narrativas publicadas, num primeiro momento, no Instagram. Além disso, Karol aborda assuntos que ainda são considerados tabus no espaço “stories” como, por exemplo, o nome de fetiches e as suas práticas; curiosidades sobre o Kamasutra, sobre o BDSM (bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo) desde a sua origem, seu significado e os termos que envolve tal prática de forma consensual, saudável e segura.

Figura 1: Algumas temáticas tratadas no Instagram, na seção stories.

As postagens são intercaladas entre narrativas ficcionais, e interações que funcionam como jogos entre os seguidores e imagines, que são histórias curtas feitas em primeira pessoa, onde o personagem principal é o leitor, geralmente definido pelo uso do S/N (seu nome) em conflito com o ídolo. O foco do enredo é retratado em uma cena específica para serem lidas e compreendidas facilmente, muitas das vezes feitas pela da combinação de imagem e texto.

Figura 2: As diferenças entre as postagens e POV (point of view) dentro da mesma fanfic.

Por não ser uma plataforma própria para a postagem de fanfics, como por exemplo, Nyah! Fanfiction, Fanfics Brasil, Fanfic Obsession, Spirit Fanfics e Wattpad, as divisões das publicações são feitas a partir de imagens produzidas pela própria interagente. Nesse contexto, cada imagine ou interação tem a sua identidade, divididas a partir do ídolo citado. As fics possuem uma identidade visual para cada história, assim como ocorre quando há mudança de narração feito por diferentes personagens dentro do mesmo plot.

Publicada em 13 de abril de 2020, “Mr. Intense” é definido pela Karol como “um conto completamente diferente […]. Leia atentamente o conto, pois a realidade e a ilusão pode e vai confundir você”. Com dez capítulos publicados, a trama ainda está em andamento. O enredo gira em torno da protagonista que frequentemente se sente excitada, e suas fantasias e necessidades aumentaram após conhecer o “Mr. Intense”. A capa feita pela fã é composta pela imagem de um tronco masculino, com o título e o user do perfil. Um dos personagens centrais é conhecido apenas como “Mr. Intense”, um homem que faz vídeos eróticos ao vivo que se inicia sempre com a câmera ligada mostrando o seu tronco, sendo assim, a principal correlação entre a trama e a capa são encontradas neste personagem, a capa e o título.

Figura 3: Capa produzida pela própria interagente.

Tais especificidades são compreendidas como os aspectos técnico-expressivos na composição da produção midiática e a própria produção criativa dos fãs na rede, relacionado à dimensão estética da competência midiática proposta por Ferrés e Piscitelli (2015, p. 13-14), ao produzir mensagens que contribuem para incrementar a criatividade, originalidade, sensibilidade entre níveis pessoais ou coletivos a partir das transformações das produções artísticas.

Vale ressaltar que o Instagram não disponibiliza a divisão dos capítulos como ocorre em plataformas de conteúdos voltados para as fanfics. Dessa forma, a narrativa, o capítulo e a parte que se encontra a trama são sinalizadas ao início de cada trecho postado, assim como os comentários da fã são deixadas ao final da narrativa. Outro ponto interessante é o uso dos pontos para sinalizar a quebra no parágrafo, já que a rede social muitas vezes não reconhece esse recurso. Também podemos observar a inserção de outros elementos para complementar a narrativa ficcional, como a capa feita em formato de vídeo, que dispõe algumas vezes de músicas para acompanhar na leitura.

A dimensão linguagem envolve a “capacidade de modificar produtos existentes, dando a eles um novo significado e valor” (FERRÉS; PISCITELLI, 2015, p. 9). Dessa forma, ao criar uma narrativa ficcional baseada em um subgênero de fanfics, o RPF – Real Person Fiction, que criam histórias a partir de pessoas ou celebridades reais, a fã insere tanto os artistas dentro da trama, como também o interagente que acompanha. A dimensão da competência midiática proposta pelos autores também pode ser observada em outros elementos como, por exemplo, a partir da narração feita em primeira pessoa no gênero feminino, através da escolha por diferentes sistemas de representação, da sua forma comunicacional e o tipo de interlocutor.

O enredo da trama traz elementos intertextuais como, por exemplo, algumas referências como “noona” e “k-drama” que demonstra o conhecimento da interagente sobre a língua e cultura sul-coreana; citações de produções canônicas tais como a menção do “Coringa” e do quarto vermelho de “Cinquenta Tons de Cinza”. Nesse contexto, a fã apresenta a “capacidade de estabelecer relações entre textos […], códigos e mídias, elaborando conhecimentos abertos, sistematizados e inter-relacionados” (Ferrés; PISCITELLI, 2015, p. 9), presentes na dimensão linguagem.

Pontuado por Ferrás e Piscitelli (2015), a dimensão ideologia e valores envolve a capacidade de detectar, contrastar, buscar e avaliar as intenções nos conteúdos midiáticos; relacionado também a capacidade de usar as novas mídias para elaborar e modificar produtos para questionar valores. Em “Mr. Intense”, a dimensão pode ser observada em parte das diversas camadas interpretativas proposta pela Karol ao discutir assuntos comportamentais definidas pela sociedade machista e patriarcal.

As reflexões morais que acompanham a “Sta. Insaciável”, username da protagonista no chat da live erótica do “Mr. Intense”, abordam questionamentos que partem dos pensamentos e ações impostas pela sociedade como, por exemplo, de que modo a diferença de idade reflete no relacionamento, como algo anormal entre uma mulher oito anos mais velha que o homem, a partir do ponto de vista da personagem principal como “eu tenho um problema em aceitar a nossa diferença de idade, eu nunca precisei lidar com isso diretamente” e o conselho recebido diante da insegurança exposta: “Você é uma mulher madura, é normal se sentir assim próximo de alguém mais novo. Mas não pense muito, não imponha limites. Não há nada de errado nisso se existe consentimento, se ambos querem”.

O diálogo acima com o NamJoon, seu melhor amigo, surge após o aparecimento de TaeHyung, irmão mais novo do seu ex-noivo SeokJin, ao que o mais novo começa a morar com a “Sta. Insaciável” e declara sobre a afeição que sente por ela; e ao decorrer da fanfic, a menção sobre a diferença de idade sempre surge quando a protagonista questiona seus próprios sentimentos em relação ao TaeHyung.

Por conter conteúdo não indicado para menores de 18 anos ao tratar de assuntos que envolvem sexo, a fã optou por deixar o perfil privado, aproveitando “as ferramentas do novo ambiente comunicativo para se comprometer como cidadão ou cidadã de modo responsável na cultura e na sociedade” (FERRÉS; PISCITELLI, 2015, p. 14).

Figura 4: a participação do leitor-fã na fanfic e o estímulo do processo criativo.

Outro ponto interessante é visto a partir da interação constante entre a Karol e os interagentes que acompanham as suas narrativas. O público questiona sobre as tramas publicadas, também são observadas opiniões diversas sobre o fluxo das histórias. Na trama “Mr. Intense”, o público ainda pôde fazer perguntas para o personagem ficcional dentro do conto. Estimulando quem acompanha a fanfic a reimaginar do seu ponto de vista os potenciais, “projeções sobre o que poderia ter acontecido além dos limites da narrativa” e contradições como “dois ou mais elementos na narrativa (intencionais ou não) sugerindo possibilidades alternativas para os personagens” (JENKINS, 2012, p. 17-18) onde serão postadas, estimulando o processo criativo.

Nesse sentido, o uso do Instagram como ferramenta para publicação de fanfics, percebe-se que há maior interação e colaboração entre os fãs na criação de universos ficcionais, além da multimodalidade que permite uma maior exploração de sentidos entre os interagentes.

Referências:

FERRÉS, J.; PISCITELLI, A. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. In Lumina, Juiz de Fora, v. 9, n. 1, p.1-16, jun. 2015. Disponível em: <https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/436>. Acesso em: 17 jun. 2020.

JAMISON, A. Fic: porque a fanfiction está dominando o mundo. São Paulo: Rocco, 2017.

JENKINS, H. Lendo criticamente e lendo criativamente. In Matrizes, v.9, n.1, p. 11-24, 2012. Disponível em: < https://bit.ly/2I9TWnn>. Acesso em: 17 jun. 2020.

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