Observatório da Qualidade no Audiovisual

Suicídio no Brasil: precisamos falar sobre, e os documentários brasileiros também

Realizado em 2012 pelo Grupo de Pesquisa de Prevenção de Suicídio da Fiocruz, em parceria com a VideoSaúde Distribuidora, o filme “Suicídio no Brasil” é uma das poucas produções documentárias que buscam alertar sobre o suicídio, tema ainda tabu na sociedade. Segundo o portal “setembroamarelo.org.br”, de conscientização para prevenção do suicídio, 32 pessoas se suicidam a cada dia no Brasil, taxa superior às vítimas da AIDS e da maioria dos tipos de câncer que existem. Entretanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que nove em cada dez casos poderiam ser prevenidos caso houvesse conscientização sobre a importância de se falar sobre o assunto.

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Abrindo o vídeo com um fade in (efeito de aparecimento gradual da imagem na tela), nove personagens populares opinam sobre o suicídio através do formato “povo fala”,  revelando o que se pretende mostrar sobre a representação dessa palavra para o senso comum: “A loucura. Simplesmente a loucura! Porque naturalmente quando uma pessoa suicida, ele já está fora do normal de um ser humano”, como disse um senhor passados pouco mais de 7 minutos de vídeo.

As intervenções da entrevistadora parecem conduzir a narrativa proposta para minar antigos conceitos ou explicar questões que precisam sair da voz do personagem popular para ser mais aprofundada por um especialista, na tentativa de elucidar o tema e informar a população espectadora.

É o que acontece, por exemplo, aos 4:27 minutos de vídeo, quando a entrevistadora indaga aos personagens se eles já conheceram alguém que se suicidou ou que ao menos teve a vontade de se matar. Na terceira resposta, um homem conta que já havia vendido um livro que falava sobre as diferentes formas de se suicidar. A entrevistadora, então, conduz o fio narrativo com perguntas que instigam o homem a falar sobre tais formas, anunciando o que imediatamente depois explicaria o Dr. Neury Botega, professor da Faculdade de  Medicina da Unicamp.

Aos 7:52 minutos de filme, o documentário desvia da mescla das vozes dos personagens populares e do especialista para ilustrar suicídas das instituições psiquiátricas e prisionais, que conhecemos tão pouco. Através do relato da roteirista e diretora Debora Diniz sobre as gravações do documentário “A Casa dos Mortos”,  que abordou, em 2009, essa realidade dos manicômios judiciários, “Suicídio no Brasil” leva o espectador a questionar a eficácia desse tipo de instituição a partir da reflexão da forma como entendem a loucura em seus pacientes.

“O que se pode fazer por uma pessoa que está pensando em se matar?”, pergunta a entrevistadora. Os personagens respondem e, depois, novamente a figura do especialista vem para elucidar essa questão e trazer o primeiro passo para a solução do problema: quebrar o tabu do suicídio.

Senso comum: a loucura dos normais

Muitas vezes, o senso comum nos leva ao sentido mais pejorativo da palavra “loucura”, que traz com ela estigmas que nos fazem marginalizar quem pensa em suicídio. Silenciamos as dores dos suicidas, os excluímos do convívio social e os colocamos à margem da normalidade partindo do nosso juízo de valor como principal termômetro para se medir o que é ser normal.

Solidão, depressão, alcoolismo, outros problemas de saúde como HIV, câncer e bipolaridade, e questões conjugais e de relacionamento são problemas frequentes nos dias atuais e que podem ser motivos para o suicídio de uma pessoa que, diga-se de passagem, não quer terminar com a própria vida, e sim terminar com o sofrimento que a atinge por não mais enxergar solução para tal angústia. Marginalizar essa parcela da sociedade é, portanto, tapar os olhos para uma realidade cada vez mais comum e ignorar um pensamento que está suscetível a todos, até aos que mais o marginaliza.

Diante desse isolamento social ao qual submetemos essas pessoas, o que se vê é o silêncio da mídia, da literatura e das produções audiovisuais documentárias, que perdem a oportunidade de quebrar esse tabu e servir como instrumento de articulação política para gerar a reflexão sobre o problema de saúde pública, que atinge, principalmente, os idosos e os jovens da população, imersos numa sociedade um tanto quanto solitária, doente, ansiosa e cobrada.

Nesse sentido, o documentário, enquanto uma produção que, muitas vezes, provoca o espectador para tirá-lo da sua zona de conforto e fazê-lo pensar, pode ser uma potente ferramenta para a inscrição dessa nova percepção sobre o tema e então ressignificar as concepções mantidas até aqui.

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“Não falar sobre suicídio é colocar o problema embaixo do tapete e sermos surpreendidos de tempo em tempo por um suicídio que poderia ter sido evitado. Falar sobre suicídio com sensibilidade, com o auxílio de várias fontes de conhecimento, de várias visões sobre esse fenômeno tão complexo, é aumentar as chances de reflexão e aumentar a possibilidade de encontrar saídas para a angústia do homem que não sejam via suicídio.” – Dr. Neury Botega, prof. Medicina Unicamp.

Assista ao documentário: https://vimeo.com/36487179

Por Luma Perobeli

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