Observatório da Qualidade no Audiovisual

Comédia MTV

O programa Comédia MTV estreou na MTV Brasil no dia 3 de março de 2010 e foi veiculado até março de 2012, quando mudou seu formato e passou a ser chamado de Comédia MTV Ao Vivo.Criado por Lilian Amarante, Gabriel Muller e Álvaro Campos, a apresentação ficava por conta de Marcelo Adnet, que contava no elenco com Rafael Queiroga, Dani Calabresa, Bento Ribeiro, Talita Werneck, Paulo Serra, Rodrigo Capella, Guilherme Santana e Fabio Rabin. Com duração de 1 hora e 45 minutos, o programa era composto por esquetes que faziam paródias de temas ou conteúdos da época.

Apesar de rotulado pela própria emissora como um programa de humor, o Comédia MTV era mesmo um programa de comédia, como sugere o próprio nome, que se baseava no riso fácil diante do “anormal”, daquilo que fugia do padrão. Dos cinco elementos que compõe o Plano da Expressão, ao menos um aspecto de três deles é destaque. Nos códigos visuais,cenário e atuação do elenco chamam atenção por atribuírem ao programa uma característica despojada e descontraída, que não preza pela verossimilhança, ou seja, a preocupação de passar realismo às cenas ao ponto de torná-las credíveis ao espectador. No episódio do dia 3 de maio de 2011, por exemplo, aos 7 minutos e 4 segundos, Bento Ribeiro protagoniza um esquete em que interpreta um homem prestando serviço comunitário a crianças por não pagar pensão alimentícia aos filhos. Na ocasião, o homem veste roupa da Branca de Neve e chega para contar histórias para as crianças, que são interpretadas por outros sete humoristas do programa, adultos, portanto, mas que devidamente caracterizados com roupa e penteado se comportam e falam como crianças. Também no cenário, a descontração está na diversidade de lugares apresentados, sem muitos detalhes e cuidados artísticos. Com uma ausência de padrão ou ordem na execução e/ou transmissão das cenas, o único momento que se repete em todas as emissões analisadas é quando aparecem os clipes musicais, que se passam num quadrado no centro da tela, sobre uma arte de muro de tijolos com quatro setas de luzes de neon piscando e apontando para o mesmo.

Nos códigos sintáticos, o destaque está na edição, que muito se faz presente no programa. Movimentos abruptos de câmera, efeitos sonoros, o uso do zoom in (que acontece para dar destaque para trechos da fala do emissor), do zoom out (para revelar a reação dos outros personagens diante do que é falado) e a presença dos cortes secos (cortes sem transição que têm a finalidade de aproximar a câmera e dar destaque ao rosto dos atores) são aspectos constantemente vistos no programa, que chamam a atenção do espectador e o faz por isso, talvez, pensar no conteúdo que é mostrado. Nos códigos gráficos, o aspecto que se destaca é a vinheta, tanto de abertura quanto de finalização, que é adequada ao estilo do programa no que se refere às cores, cenário, roteiro, falas e atuação.

Na abertura, a vinheta traz figuras que se formam em luzes de neon coloridas. Na primeira cena um homem corre na esteira, atrás dele vários chapéus passam voando e um deles o atinge; logo após, uma mulher pula num trampolim. Na terceira cena, uma mulher dança em frente a um homem de terno e gravata; ao fundo algumas bailarinas dançam e um laser vermelho sai do homem de terno e corta a cabeça da dançarina. Na segunda cena,uma garçonete segura uma bandeja e, ao fundo, um guitarrista sem cabeça toca. Na sequência, a cabeça da dançarina surge na bandeja da garçonete e, ao final, surge o nome do programa, também em letras de neon. Uma abertura, portanto, bastante irreverente.

No Plano do Conteúdo, o indicador desconstrução de estereótipos foi pouco identificado no programa. Apesar do posicionamento progressista da MTV de se mostrar a favor da diversidade sexual, a representação dos homossexuais ainda é carregada de estereótipos, o que acarreta uma visão distorcida dessa minoria. No quadro Nunca vai passar de novo, por exemplo, o objetivo é parodiar o quadro da Rede Globo Vale a pena ver de novo, que reprisa novelas antigas de sucesso. No Comédia MTV, a  paródia se dá pela representação de situações ruins, homofóbicas, machistas e absurdas, de novelas escritas por autores homossexuais. A título de exemplo, a frase proferida aos 5 minutos e 36 segundos do episódio do dia 19 de abril reforça ainda mais esse estigma de que escritores gays só fazem novelas ruins, com temática homossexual, situações absurdas e incapazes de serem reprisadas: “De um autor homossexual:Pais e Filhos. Mais uma novela que nunca vai passar de novo”.

Tendo em vista a diversidade presente dentro do grupo de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, intersexuais, entre outros, é inegável a complexidade de se fazer uma boa representação dos mesmos, mas é inegável também a possibilidade de assim fazê-la. Se a proposta é de um humor inteligente, a opção mais razoável é tentar fugir dos estereótipos. E então, nesses casos, a opção por fazer piada do opressor é mais viável e, falemos a verdade, muito mais engraçada. Entretanto, não foi essa a postura adotada pelo Comédia MTV.

O indicador de qualidade oportunidade não foi muito pontuado. A avaliação razoável para todas as emissões se deve ao fato deo Comédia MTV produzir esquetes que fazem referência a assuntos de conhecimento do público, mas que não necessariamente estão na agenda midiática. Paródia de outros programas, como o feito em Big Brother Afeganistão, Nunca vai passar de novo, Desgraça Urgente, Domingúo e Plantão, ou de personalidades, como mostrado em HebeCam e Pormeliê, são a base do programa e por isso comumente vistos nas emissões.

A diversidade de sujeitos representados foi razoável nas emissões analisadas. A única melhor avaliada é a do dia 3 de maio de 2011, que se destaca pela grande variedade de tipos que mostrou, principalmente no quadro que abordava a religião Normal. Cariocas, paulistanos, lésbicas, negros, brancos, presos, consumistas, gordos,magros, estrangeiros, crianças, jovens, idosos, pais, mães,jornalistas, psicólogos, atrizes e cantores são alguns dos tipos representados pela emissão, seja por muito tempo ou não.

Ampliação do horizonte do público e estímulo ao pensamento e ao debate de ideias não são recorrentes ao longo das emissões aqui analisadas. A avaliação fraca recebida por esse indicador de qualidade em todas as emissões se justifica pela forma escrachada e estereotipada com que o programa faz referência aos outros conteúdo se pela escolha por temas rasos e quase que insignificantes que pouco objetivam a transformação sócio-político-cultural dos espectadores. Abaixo, podemos conferir a tabela dos indicadores da qualidade do plano de conteúdo com a avaliação de cada um:

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Na Mensagem Audiovisual, o indicador de qualidade clareza da proposta está muito presente em todas as emissões analisadas. O objetivo do programa é bem apresentado ao espectador porque é constante o uso da paródia, da ironia ou da sátira para criticar padrões e provocar o riso. Como exemplo, temos o primeiro esquete do dia 29 de março de 2011, que traz Dani Calabresa e Tatá Werneck conversando sobre uma possível cena entre elas e outro humorista, que interpretaria um pai. No diálogo, que tem intercalado cenas dos humoristas fazendo o clipe de uma música, vemos que todos os personagens fazem papel de si mesmos, estando cada um o seu próprio nome artístico, o que deixa evidente se tratar de uma sátira à ausência das pessoas aos seus compromissos.

No indicador diálogo com/entre plataformas, todos os episódios foram bem avaliados, pois a relação da TV com as outras plataformas é vista em alguns esquetes do programa e na vinheta final de cada emissão, quando aparece nos créditos a frase: “mas quem faz o Comédia?! equipe completa no site!!!”. Abaixo dessa frase, que dialoga muito bem com o estilo descontraído do programa ao usar as letras minúsculas no início das frases e os excessos de pontuação, tem o endereço do site e do Twitter do programa. Além disso, a esse indicador também compete a menção a outros conteúdos televisivos, que é comumente visto no Comédia MTV através das inúmeras referências a músicas, artistas e outros programas da TV.

Em alguns esquetes do programa esse diálogo com outras plataformas também é visto quando vídeos feitos pelos espectadores são mostrados, o que incrementa também o indicador solicitação da participação ativa do público. Sendo considerável em todas as emissões, a avaliação desse indicador se justifica não pelo Comédia MTV solicitar diretamente a participação do espectador, mas por dar a ele oportunidade de aparecer na emissão. No final do episódio do dia 29 de março de 2011, por exemplo, o clipe que aparece é o enviado pelo espectador Bruno Costta, que mostra um homem vestido de passarinho azul dançando ao lado de duas meninas a música de fundo, que faz referência ao Twitter. Outro exemplo está no clipe exibido no final do episódio do dia 17 de maio do mesmo ano, enviado pelo Twitter @rodrigoguth1, em que um rapaz faz paródia da música New York, de Alicia Keys.

Último indicador da mensagem audiovisual, originalidade/criatividade, foi razoável em todas as emissões. Por ser de um formato já conhecido pelo público, inovação e experimentação não são destaques no programa, mas originalidade e criatividade pode-se dizer que sim, pois parodiava programas, personalidades, músicas e temas conhecidos da massa de forma escrachada, exagerada e engraçada. A seguir podemos observar a avaliação que cada indicador recebeu na mensagem audiovisual:

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Como vimos,aspectos característicos do programa, como o próprio nome diz, apenas geram a comédia, o riso fácil, imediato e despreocupado diante do diferente. Segundo os modos de representação e experimentação, a atuação dos personagens é satírica e grotesca e, por isso, acarreta uma visão distorcida das minorias, principalmente da comunidade LGBTTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais). Estigmas sociais foram reforçados, e a banalização do audiovisual reiterada incessantemente na maioria dos produtos da televisão não deixou de ser assim tratada no Comédia MTV, o que dificultou o envolvimento de uma comunidade e a sua categorização como humor de qualidade, já que nem ao humor o programa pertence.

Por Luma Perobeli

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